O deslocamento das tropas

Na primeira metade da década de 1940, a malha viária terrestre era insipiente. Estradas asfaltadas praticamente não existiam; entre as poucas exceções estava a rodovia que ligava a Capital Federal a Petrópolis. Assim sendo, era o transporte ferroviário e de cabotagem interligava as regiões brasileiras.

Fonte: Arquivo Nacional.
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Convocados os integrantes da Força Expedicionária Brasileira, havia a necessidade de conduzi-los mais diversos pontos do interior do Brasil às guarnições onde ocorreria a preparação descentralizada das tropas e à Capital Federal. Em sua viagem, a maioria deles usou os meios de transporte marítimo e ferroviário.

Nos depoimentos a seguir, os protagonistas relatam as suas experiências carregadas de emoção, extraídas do livro “Vozes da Guerra”, de Sirio S. Fröhlich:
Para quem partiu do interior do Rio Grande do Sul, o início da viagem deu-se sobre trilhos. O primeiro e parte de outros contingentes percorreram todo o trajeto de trem, passando por São Paulo. Contudo, houve grupamentos que se deslocaram até o porto de Rio Grande e, de lá até a Capital Federal, seguiram em navio de carga.

A viagem sobre trilhos

Aribides Rodrigues Pereira recorda que o entusiasmo popular havia tornado o deslocamento do quartel até a estação um verdadeiro passeio: “Até ali havia sido uma festa só. Embarcamos no trem e, dos dois lados do vagão, o povo continuava fazendo festa e jogando pequenos presentes para nós”. Somente quando o trem se pôs em movimento, deixando para trás o calor dos aplausos, é que muitos perceberam que estavam em trens de carga, sem estrutura para o transporte humano, e com uma longa viagem pela frente…

Em Cruz Alta embarcaram militares de unidades sediados naquela cidade; a exemplo do acontecera em Santa Maria, houve festa e distribuição de presentes. Dentre os militares que embarcaram em Cruz Alta, Neraltino Flores dos Santos diz que a viagem também foi bastante cansativa. “A gente não tinha nenhum conforto. Íamos sentados no assoalho do vagão, pois não havia bancos. Nas estações ferroviárias, no Rio Grande do Sul, éramos recebidos com festa, e nos serviam comida quente. Depois, acabaram as recepções calorosas e, na hora das refeições, quase sempre, recebíamos um sanduíche simples”, diz.

Mesmo com o acréscimo de vários vagões, o conforto melhorou pouco: faltavam espaço e banheiros, o que produziu situações cômicas e constrangedoras: buracos feitos no assoalho dos vagões eram latrinas; os trilhos, as fossas. Para urinar, faziam malabarismos junto à porta do vagão. As roupas sujas iam sendo descartadas. Quando o motivo do descarte não era a sujeira, eram as brincadeiras entre febianos, que despojavam os companheiros, fazendo a alegria dos agricultores que trabalhavam ao longo da via férrea.

Taltíbio Custódio complementa: “Quando chegamos a São Paulo, parecia que o trem estava chegando de uma guerra. Tinha buracos para tudo que era lado. Passamos um dia na Estação da Luz, aguardando um trem que nos levaria até o Rio de Janeiro. No trecho entre São Paulo e o Rio de Janeiro, sim, fomos bem acomodados. O trem era de primeira!”.

Enéas Araújo diz que, em 12 de março de 1944, o 2º Batalhão e os órgãos regimentais do 6º RI seguiram para o Rio de Janeiro. “O 3º Batalhão já havia deslocado de Lins para Pindamonhangaba e o 1º Batalhão havia deslocado de Caçapava para Taubaté, pois não havia espaço no regimento para todo o efetivo”.

Chegada do contingente expedicionário de São Paulo.
Fonte: Arquivo Nacional.
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Picryl – Referência externa

 

Sérgio Pereira deslocou-se para o Rio de Janeiro, também em março de 1944, com o efetivo do 11º RI. Foram cerca de dez horas de São João del Rei até o destino, a Vila Militar do Rio. Ivan Esteves Alves, que fez o mesmo trajeto, diz: “Depois que embarcamos, na estação, seguimos até Juiz de Fora, onde embarcou o pessoal do 12º RI. O túnel Oito, em Paulo de Frontin, havia desmoronado. Ficamos aguardando a desobstrução do túnel; atravessamos a pé e pegamos outra composição, do outro lado do túnel. Seguimos viagem, mas isso atrasou a nossa chegada ao Rio”.

A viagem pelo mar

Pedro Vidal e Ivo Ziegler fizeram um percurso diferente: após partirem de Santa Maria, passaram por Cacequi, Bagé e Pelotas, cidades em que iam embarcando pracinhas da região, chegaram a Rio Grande. Lá, somaram-se a soldados de outras regiões que haviam embarcado em um navio em Porto Alegre, entre os quais estava o cabo José João Pereira. Após solenidade de despedida no cais do porto, que contou com maciça presença popular, embarcaram em um navio cargueiro, que tinha acomodações para o transporte de pessoal.

Vidal recorda que o navio carregava cebola, batata, pimenta e outros gêneros alimentícios. “Era um fedor só, além de ser muito quente. Para mim, que era meio arisco, e só havia visto [navio a] vapor no cinema, tudo era novidade. Assim que o navio se pôs em movimento, começaram os enjoos”. Ziegler diz que preferia ficar no convés porque, nos porões, o cheiro das cebolas era muito forte, o que aumentava o mal-estar. “Lá em cima, era melhor! Apesar do sol quente, sempre havia uma brisa agradável”.

Após descarregar as mercadorias no porto de Santos-SP, o navio seguiu até o Rio de Janeiro, chegando ao destino em 27 de dezembro.