O preparo

A preparação para a guerra incluiu extrair, do Exército Brasileiro, que tinha cerca de 60.000 homens espalhados pelo Território nacional, uma Força Expedicionária com cerca de 25.000 homens, capaz de combater o Exército alemão. O EB tinha sua organização, instrução e doutrina de emprego baseados nos regulamentos franceses, introduzidos pela Missão Militar Francesa, que aqui esteve a partir do término da I Grande Guerra, até 1940.

Por meio da Lei de Empréstimos e Arrendamentos (Lend Lease), com a qual os EUA procuraram ajudar todos os povos que desejassem participar da cruzada contra o Eixo, conseguiu-se adquirir grande parte dos equipamentos e das munições correspondentes para a defesa do litoral e do tráfego marítimo. Concomitantemente, o Exército iniciou a mobilização, com efetivos que, rapidamente, atingiram o total de 180.000 homens, e que necessitavam de instrução, que foi sendo ministrada, paulatinamente, tanto no Brasil quanto no Teatro de Operações.

Finalmente, a organização das Unidades tipo expedicionárias, que passavam a ser tipo americanas, e não mais francesas, foi apresentada em 52 Boletins do Exército, os quais apresentavam dados gerais sobre a FEB, que seguia o modelo de Divisão de Infantaria do Exército norte-americano.

Inicialmente, o preparo deu-se de modo descentralizado, nas guarnições-sede dos regimentos e de outras unidades da Força Expedicionária Brasileira. Concentradas as tropas na Capital Federal, a partir de março de 1944 foi iniciada a preparação técnica e tática da tropa. Entre os muitos problemas enfrentados estavam a escassez de armamento e de outros materiais de guerra, prejudicando a obtenção de um alto nível de adestramento. Seria necessário, e isto estava previsto, concluir o adestramento em solo europeu, no cenário da guerra, o que possibilitaria maior êxito na instrução das unidades.

Nos relatos a seguir, extraídos do livro “Vozes da Guerra”, de Sirio S. Fröhlich, os protagonistas dizem como viveram o período que os forjaria para os combates que se avizinhavam.

Aribides Rodrigues Pereira recorda que ficou adido ao 1º Regimento de Artilharia Montado, alojado em pavilhões novos que haviam sido construídos entre Deodoro e o Campo dos Afonsos. Por lá, começaram as instruções. Recebeu treinamento básico para guerra. No Campo de Gericinó, os treinamentos eram intensos, cansativos, entre gravatás e arbustos espinhentos. “Não queriam nem saber se havia mato ou banhado; a gente tinha de encarar de qualquer jeito. Na guerra, não seria diferente!”.

Ângelo França diz que “a preparação para a guerra, segundo as regras do exército americano, foi dura. A gente teve de esquecer quase tudo o que a gente fazia para aprender de novo. A disciplina era muito rigorosa. Coisas pequenas, como não jogar pontas de cigarro no chão eram cobradas. A rotina de vacinas também foi puxada; algumas vacinas eram muito doloridas; ficava com o braço duro. Às vezes o regimento inteiro ficava por dois, três dias inerte, sem exercícios. A disciplina era perfeita. O comandante do regimento tomava a injeção, depois os comandantes de companhia; enfim, todo mundo tomava”.

Ivo Ziegler reforça que, além de inspeções, vacinas e exames médicos, eram submetidos a treinamento intensivo, visando à preparação psicológica ao condicionamento físico. “Os instrutores reforçavam o patriotismo e o civismo que esperavam ver nos soldados, e nos deixavam a par do que ocorria na Europa. Na teoria, sabíamos o que nos esperava e como deveríamos proceder em situações extremas”. Ary Roberto de Abreu acrescenta que, no Capistrano, assistiam a muitos filmes sobre como deveriam proceder na guerra e praticavam a correção dessas ações em exaustivos treinamentos.

Severino Francisco de Oliveira relata que “chegava gente todos os dias, de todos os quadrantes da Pátria. Ficamos um mês no Morro do Capistrano, em treinamento. Eram instruções duras, cansativas. Além de participar de todas as instruções, como pistas com gases, subida em escadas de cordas, naquele calor do Rio de Janeiro, a ansiedade de não saber a hora do embarque… Além disso, fui colocado na função de furriel. Fiquei quase doido de tanto ver papel! Acabei tendo que levar aquilo tudo para a Itália. Não gosto nem de lembrar”.

Vasco Duarte Ferreira confirma o ritmo de preparo intenso. “Em Gericinó, era marcha de dia e à noite, exercício de combate, escalada em muros, exercício de tiro, rastejo, corrida, cavar fox hole…”. No 1º RI houve várias mudanças. “O cardápio para quem estava previsto para ir à guerra mudou. No café da manhã, tinha pão com manteiga e presunto, leite e frutas. Era alimentação tipo americana. Passamos a comer bem, mas era só o pessoal da FEB – era um preparo especial… O uniforme foi alterado. Era mais folgado e mais moderno. O capacete mudou: não era mais o modelo inglês, tipo prato; passou a ser o modelo americano. Não usávamos mais culote, mas calças compridas; não usávamos mais botinas, mas sapatos…”.

Fonte: Arquivo Nacional.
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Aribides Rodrigues Pereira recorda que os treinamentos de embarque e desembarque eram cansativos. Depois de muitas simulações em uma torre construída no campo de instrução, composta por escadas de cordas de sisal, chegara o dia de fazer o treinamento final, no navio de verdade. Além do armamento e equipamento, os soldados levavam o saco com o material individual. Os deslocamentos entre o acampamento e a Vila Militar eram realizados de caminhão ou de trem. O embarque para a guerra se aproximava.