A chegada ao cenário de guerra
Para a maioria dos pracinhas, chegar à Itália, mais precisamente ao Porto de Nápoles, tendo o Vesúvio para compor o cenário, representava o fim dos perigos marítimos. Contudo, antes do perigo que seria imposto pelas armas inimigas, receberam um duro choque de realidade, como se pode depreender dos seguintes depoimentos.

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Para Alfredo Dalla Costa, após o longo período da travessia, vendo somente céu e água, pisar em terra firme foi mesmo um alívio. Contudo, a imagem que havia visto da escotilha, enquanto o navio se aproximava, mudou ao deparar-se com a realidade: “O porto de Nápoles, sob a luz do sol do amanhecer, era muito bonito, mas, depois que vi os sinais da guerra e os navios destruídos, já não parecia tão belo”, diz.
Taltíbio de Mello Custódio teve a mesma impressão. Quando percebeu que o General Meigs já não balançava mais e estava tudo em silêncio, do navio, assistiu à primeira cena da guerra: “Era um porto todo esbagaçado e destruído. Havia muitos navios partidos ao meio, destroçados”. Ivo Ziegler destaca que “era difícil ver alguma construção que não estivesse danificada ou com as paredes sem marcas de tiros; era triste ver o que a guerra trazia”.
Ewaldo Meyer diz que chegou à Itália em julho. “Ainda não era frio. Pelo contrário: fazia um calor danado. Em Nápoles, estava tudo destruído; era uma destruição chocante, indescritível, como nós não estávamos acostumados a ver. Demoramos a desembarcar, acredito que mais de um dia. De longe, era possível ver o Vesúvio soltando uma leve fumaça”.
Enéas Sá de Araújo: “O porto estava coalhado de pedaços de navios que haviam sido postos a pique”. Recorda que os Generais Mascarenhas de Moraes e Zenóbio da Costa viajaram no mesmo navio. “No porto houve uma solenidade de recepção ao contingente brasileiro por um general e uma banda de música americana”.
Francisco Gomes diz que, quando os pracinhas desceram do navio, foram confundidos com os alemães pelos italianos: “Devido ao fardamento, que era mais ou menos parecido, eles se confundiram e acharam que éramos parte de um contingente de prisioneiros alemães. Quando foi desfeito o mal-entendido é que fomos verificar a pobreza, a miséria que havia por lá”.
Osvaldo Carnevalli diz que viu muita destruição e situações degradantes entre italianas e soldados do exército americano. “Tudo ao ar livre! Eu fiquei chocado, mas com o tempo acostumei com aquilo. Eu vi, mas não vivi aquilo, porque fui para o front”.
Taltíbio diz, ainda, que o contingente foi recepcionado por um grupo de oficiais e por enfermeiras da FEB, que, ao darem as boas-vindas, já separavam os que estavam em pior estado de saúde. Vários caminhões Chevrolet 40, conduzidos por militares do 6º RI, esperavam pelos pracinhas que estavam chegando. “Perguntei a um dos condutores como era estar na guerra. Ele respondeu, em tom irônico: Aqui é bom! Vocês vão ter tempo para descobrir”.
Os soldados que haviam ficado mais debilitados durante a travessia permaneceram no hospital, em recuperação. José Pereira relata: “As injeções que tomei no Rio de Janeiro acabaram causando uma reação alérgica na pele. Isso, somado à água salgada dos banhos, me deixou em mau estado. Tive de ficar baixado ao hospital até estar curado”. Pereira diz, ainda, que o médico, quando não conseguia diagnosticar alguma enfermidade, costumava dizer: “É a doença da água! Assim que você pisar em terra firme, a doença cura por conta própria”. Como diz, na maioria dos casos, o diagnóstico restou comprovado. Geraldo Sanfelice embra desses efeitos: “De tão fraco que eu estava, precisei ser apoiado pelos amigos, para descer do navio. Em dois ou três dias, estava inteiro. Tanto é verdade, que fui para o front na primeira leva”.
(Depoimentos extraídos de “Vozes da Guerra”, e adaptados pelo autor).