Força Aérea Brasileira - FAB
Senta a Pua! – A história do 1° Grupo de Aviação de Caça
Por Bruno Fontanive
O 1° Grupo de Aviação de Caça foi a primeira unidade dedicada exclusivamente à atividade de caça no Brasil, criada em 1943. A atividade de caça, por sua vez, consiste em utilizar aeronaves especializadas para assegurar o controle de um espaço aéreo essencial por meio da destruição de aeronaves inimigas.
O Início da Aviação de Caça no Brasil
A aviação militar brasileira só começou a receber aeronaves de alta performance voltadas principalmente para a atividade de caça no início da década de 40, após a entrada do nosso país no acordo de Lend Lease.
O distanciamento diplomático entre o Brasil e o Eixo, acompanhada da aproximação com os Estados Unidos, permitiu que o nosso país conseguisse estabelecer parcerias que envolveram a renovação das forças armadas. Inicialmente, aeronaves de treinamento como o T-6 Texan e PT-19 foram trazidos para reforçar o preparo dos nossos aviadores.
Além disso, aeronaves mais potentes, destacadas principalmente para a caça, também foram compradas. Primeiro vieram os Curtiss P-36A Hawk. Essas aeronaves eram armadas com uma metralhadora Browning M1919 calibre .30 e uma metralhadora pesada M2 Browning calibre .50. Seu motor era um Pratt & Whitney R-1830 Twin Wasp e alcançava velocidades de até 500 km/h.
Na mesma leva de aeronaves chegou ao Brasil o P-40 Warhawk. Esse avião é reconhecido historicamente pela sua resiliência em combate e até 1945 o nosso país recebeu 87 exemplares do caça.
Esses dois novos tipos de aeronave representaram um salto na capacidade brasileira de se combater no ar, seja interceptando inimigos ou realizando patrulhas para a defesa do nosso espaço aéreo. Mas logo um vetor ainda mais potente chegaria às mãos da FAB.
A Criação do 1° Grupo de Aviação de Caça
Um ano após a declaração de guerra do Brasil à Itália e à Alemanha, foi também estabelecido que o nosso país iria enviar uma força combatente para combater o Eixo. Dessa maneira, em agosto de 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira.
Em dezembro do mesmo ano, foi decidido que a FAB também iria enviar uma força para combater no front. Como no Brasil ainda não havia uma unidade dedicada exclusivamente para a caça, foi criada então uma unidade voltada exclusivamente para esse propósito: O 1° Grupo de Aviação de Caça.
A pessoa escolhida pelo Ministro da Aeronáutica Salgado Filho para liderar essa unidade foi o então Major Aviador Nero Moura. Foi ele que, por sua vez, escolheu entre todos os voluntários um grupo de 16 sargentos, 16 suboficiais e 16 oficiais que teriam a missão de consolidar a estrutura inicial do 1° Grupo de Aviação de Caça, adicionando mais efetivo nos meses posteriores.

Fonte: Força Aérea Brasileira
O Treinamento
Como a atividade de caça ainda engatinhava no Brasil, as equipes do 1° Grupo de Caça foram enviadas para treinar nos Estados Unidos, como parte de um acordo entre os americanos e o nosso país. E foi assim que em 18 de dezembro de 1943 embarcaram para lá o comandante da unidade, assim como o Oficial de Operações, o Oficial de Informações e quatro comandantes de esquadrilhas, que no período de janeiro a março de 1944 fizeram 60 horas de voo de treinamento em caças P-40 na Escola de Tática Aérea, em Orlando, na Flórida.
Em fevereiro o resto do efetivo de 350 homens, que contava com aviadores e equipes de solo, chegou em Aguadulce, no Panamá, onde iniciaram suas instruções, logo se reunindo com a equipe de oficiais que veio dos Estados Unidos.
Assim que todos os aviadores cumpriram as 110 horas de voo necessárias, receberam seus diplomas e brevês de pilotos de combate. Mas a preparação ainda não havia acabado. Agora, o próximo desafio seria muito mais intenso, já que os nossos caçadores iriam deixar seus “Warhawks” para trás e começar uma nova jornada no poderoso P-47 Thunderbolt.
O P-47 foi uma aeronave que foi introduzida em serviço no final de 1942 e representava uma nova perspectiva para a aviação de caça americana. O Thunderbolt era maior e mais pesado que outros aviões caças da época, mas essas desvantagens eram relevadas quando levado em conta sua durabilidade, potência, poder de fogo e alcance. Utilizando um motor com supercompressor, grandes tanques de combustível e construção robusta, rapidamente o P-47 ganhou fama pela sua performance em combate.
O treinamento no Thunderbolt foi feito no Suffolk County Army Airfield, condado de Suffolk, no estado de Nova Iorque. Assim que chegaram ao território americano, os brasileiros foram colocados em uma quarentena de dois dias em Camp Shank, procedimento comum para a época para evitar a disseminação de doenças infectocontagiosas.
O treinamento de conversão ao P-47 foi muito intenso, com cada piloto fazendo em média 70 horas de voo na poderosa aeronave, com os voos terminando no final de junho. Em setembro de 1944, o 1° Grupo de Aviação de Caça estava pronto e embarcou no UST Colombie, um navio de transporte de tropas francês, operado por americanos, que rumava para o Teatro de Operações na Itália.
A Origem do “Senta a Pua” e da Bolacha do Esquadrão
“Na passagem pelo Panamá tomamos contato com a cozinha americana. De lascar! Comia-se de tudo, inclusive feijão branco com açúcar. Alguém lembrou-se do avestruz, ave que come até prego, e nós mesmos passamos a nos chamar de avestruzes. Com esse motivo não foi difícil ao ainda Capitão Fortunato Câmara de Oliveira, artista que naquele tempo ilustrava algumas revistas militares, com o traço de caricatura viva e inteligente, imaginar o avestruz guerreiro do 1° Grupo de Caça.
Foi a bordo do UST colombie que ele nasceu. Fortunato inspirou-se na figura alegre e irrequieta de Lima Mendes, ou “Limatão”, como era conhecido desde os idos de Realengo. Fixando-se em Lima Mendes, saiu a ave famosa, hoje histórica nas Forças Armadas do Brasil.” ( Lima, 2019, p. 48)
Na bolacha resultante do desenho do Capitão Fortunato, além do lendário avestruz havia a frase “Senta a Púa” escrita na sua parte inferior. O significado da expressão é descrito pelo brigadeiro Rui nas suas memórias. Entre 1943 e 1944, enquanto ele servia na Base Aérea de Salvador, ele acabou encontrando um ex-instrutor, o 1° Tenente Firmino Ayres de Araújo. O Tenente Firmino, por sua vez, tinha o hábito de chamar todo mundo de “Zé”. O brigadeiro Rui, por exemplo, era chamado de “Zé Rui” por ele.
Nesse mesmo tempo, no nordeste, a gíria “Senta a Púa” já existia, com diversos significados. Mas Firmino utilizava essa expressão para apressar os motoristas das viaturas que levavam os oficiais nas viagens entre Salvador e Ipitanga, comandando “Senta a Púa, Zé Maria”, para que eles fossem um pouco acima do limite de velocidade.
Quando foram chamados os voluntários para integrar o 1° Grupo de Caça, Rui e os outros dois oficiais que serviam em Salvador acabaram levando sua expressão para os treinamentos no Panamá e nos Estados Unidos. No final, todos acabaram adotando a expressão, que evoluiu para se tornar o grito de guerra do grupo.
Vale ressaltar que ainda que as normas da língua portuguesa estabelecem que o termo “Púa” não tenha acento. Entretanto, na Itália todas as bolachas pintadas nas aeronaves acabaram recebendo o acento, então por razões históricas “Senta a Púa” é escrito com o sinal gráfico na letra “u”.

Fonte: Força Aérea Brasileira / INCAER
E assim, essa expressão lendária que é bradada até os dias de hoje, ficou marcada na bolacha do grupo de caça. A faixa verde e amarela que circunda a bolacha representa o Brasil, enquanto o avestruz representa os pilotos de caça e seu estômago que resistia à culinária americana. A cobertura do avestruz representa os pilotos da FAB, enquanto o escudo representa a robustez e resistência do P-47 e a pistola disparando lembra o seu poder de fogo. A nuvem onde o avestruz está representa o espaço aéreo e a explosão ao fundo mostra a artilharia antiaérea inimiga. O fundo vermelho, por fim, representa o sangue derramado pelos pilotos que deram as vidas em combate.
A Origem do termo “Jambock” e a Chegada no Teatro de Operações
No dia 6 de outubro de 1944 parte do efetivo do 1° GAvCa aportou em Livorno, na Itália. Lá, o 1° Grupo de Aviação de Caça foi subordinado ao 350th Fighter Group, que era composto de três esquadrões de caça americanos e agora de um esquadrão brasileiro. Na época, o tamanho de um grupo de aviação no Brasil era o mesmo de um esquadrão nos Estados Unidos, e por isso o Senta a Púa foi conhecido por lá como o 1st Brazilian Fighter Squadron.
Todos os esquadrões tinham um código específico para se identificarem no rádio. Cada esquadrilha dos esquadrões tinha uma cor designada e cada piloto dessa esquadrilha tinha um número correspondente.
Essa prática e tradição persevera até os dias de hoje nas escolas de formação da Força Aérea, em que esquadrões, unidades aéreas e turmas das escolas de formação usam um sistema semelhante para se identificarem. Na Academia da Força Aérea, por exemplo, as turmas de cada ano possuem uma cor correspondente, a mesma utilizada pelas esquadrilhas de caça na Itália na Segunda Guerra.
O código designado para o 1° Grupo de Aviação de Caça foi “Jambock”. Nenhum brasileiro fazia ideia do que isso significava, então perguntaram ao oficial de inteligência americano do 350th Grupo de Caça, que disse que era traduzido para “chicote”. Todos aceitaram e passaram um bom tempo dizendo que Jambock era chicote e tudo bem.
Cerca de 20 anos após o ocorrido, a verdadeira origem do termo ficou clara. Em 1969, o brigadeiro Rui estava em uma reunião comercial representando a sua empresa, a “Jacel Jambock”. Do outro lado da mesa estava um dos diretores da Cia. de cigarros Souza Cruz, Kenneth H. L. Light, que perguntou o que queria dizer “Jambock”.
Rui então respondeu que Jambock queria dizer chicote e provavelmente veio de alguma expressão do inglês, que Kenneth falava. O empresário respondeu então que essa palavra não existia nos dicionários mais famosos, ele havia procurado o termo antes da reunião. Rui então brincou que se dependesse dele, ele teria morrido pensando que Jambock queria dizer chicote.
Kenneth então propôs que ele iria aprofundar as pesquisas e daria um retorno para Rui. Mais de um mês depois ele liga para o piloto brasileiro, avisando que tinha uma surpresa. Kenneth descobriu que Jambock não era um chicote comum, mas sim um chicote especial feito de couro e utilizado pelos nativos da África do Sul para dirigir o gado, seja em carros de boi ou manadas.
Rui agradeceu e ficou animado, já que agora tinha uma direção para seguir com a sua pesquisa. Em seguida ele foi para o consulado da África do Sul no Rio de Janeiro para procurar mais detalhes. Lá, ele teve outra surpresa. A palavra teve origem na Indonésia! Lá foi criada uma vara de madeira para castigar os escravos, chamada localmente de Sambok. Posteriormente a palavra e o instrumento de tortura foram levados para a Malásia. Quando os escravos malaios foram levados pelos ingleses para a África do Sul, introduziram o Sambok na língua africâner, em 1804, com a mesma grafia. Os sul-africanos brancos passaram a adotá-la em seu vocabulário escrevendo-a de maneira diferente: Sjambok.
Na África do Sul o Sjambok de madeira foi substituído por um chicote feito com couro de rinoceronte ou hipopótamo velho, utilizado como instrumento de flagelação dos escravos. Quando a palavra chegou no 1° Grupo de Aviação de Caça, ela acabou perdendo o S inicial e foi acrescida de um C antes do K, por influência do inglês americano.
Dessa forma, um esquadrão brasileiro que lutou contra os alemães na Itália recebeu um codinome de um americano de uma palavra sul-africana que foi trazida pelos malaios após ter sido criada na Indonésia séculos antes.
Entrada em Combate
Foi no campo de Tarquínia que os brasileiros receberam, diretamente dos estoques norte-americanos, os P-47 que iriam empregar em combate. As aeronaves do grupo eram adornadas com uma cauda com faixas verde e amarela, com a rodela da FAB nos dois lados da fuselagem e nas asas e com a bolacha do esquadrão no nariz da aeronave.
Próxima à bolacha ficava uma identificação com as letras A, B, C e D, que representavam, na sequência, as esquadrilhas vermelha, amarela, azul e verde, e com números sequenciais em seguida.

Fonte: Força Aérea Brasileira / INCAER
Os voos na Itália só começaram uma semana após a chegada no Teatro de Operações. Inicialmente, apenas missões de reconhecimento foram executadas. Foi apenas no dia 11 de novembro de 44 que finalmente os brasileiros começaram a operar em voos constituídos unicamente por conterrâneos, sendo então um esquadrão autônomo.
Naquela fase da guerra, a aviação do Eixo já havia sido duramente atacada. Bases aéreas e as fábricas de aeronaves alemãs sofreram um intenso bombardeio, e isso fez com que muitas regiões do front não tivessem a cobertura da Luftwaffe. Por essa razão que, além da escolta de bombardeiros, os brasileiros realizaram sucessivas missões de ataque ao solo contra as tropas inimigas, sem serem incomodados pelos aviadores do Reich.
Mas em compensação, um grande volume de artilharia antiaérea estava presente na zona de conflito.
No dia 2 de dezembro, com as tropas do eixo recuando, o 1° Grupo de Aviação de Caça foi enviado para uma nova base, em Pisa. Foi nesse setor que as missões mais perigosas foram feitas, agora com ainda mais oposição inimiga.
Em 21 de fevereiro de 1945, os aviadores do Senta a Púa auxiliaram a FEB na tomada de Monte Castelo, bombardeando posições fortificadas alemãs nas encostas com bombas e foguetes.

Fonte: Arquivo Nacional
Por um lado, rapidamente o 1° Grupo de Aviação de Caça se tornou uma unidade muito experiente e letal em combate. As diversas missões, muitas vezes feitas mais de uma vez durante o dia, forjaram no fogo do mais forte o aço brasileiro. Mas por outro lado, esse ganho de experiência veio com uma extrema fadiga do Senta a Púa.
O 1° Grupo realizou cerca de 5% das missões estabelecidas pelo 22° Tactical Air Command para todas as suas unidades. Ainda assim, os brasileiros destruíram 85% dos depósitos de munições, 36% dos depósitos de combustível, 28% das pontes, 15% dos veículos motorizados e 10% dos veículos de tração animal na sua área de operações.
Dos 48 pilotos do Grupo, desde o início dos treinamentos no Panamá até o retorno ao Brasil, quatro morreram em acidentes aéreos. Cinco foram mortos em combate. Cinco foram abatidos e capturados como prisioneiros de guerra e outros três conseguiram ser resgatados pelos partisans alemães após saltarem dos seus aviões. E por último sete foram afastados pelos mais diversos motivos de saúde.
Da mesma forma, as equipes de solo do Esquadrão trabalharam de maneira incansável. Tanto a intendência na parte logística quanto os mecânicos, que mantiveram as aeronaves voando mesmo com uma taxa de missões tão alta.
O Fim da Guerra e o Regresso
Após o final da guerra, o 1° Grupo de Caça retornou para o Brasil em partes. Enquanto parte da unidade retornou ao Brasil pelo navio americano USS General M. C. Meigs, junto com parte do destacamento da FEB, um outro destacamento seguiu para os Estados Unidos. Lá eles buscaram uma outra parcela dos P-47 encomendados pelo Brasil, enquanto as aeronaves utilizadas na Itália foram desmontadas e trazidas para o nosso país de navio.

Fonte: Arquivo Nacional
No dia 16 de julho de 1945, os aviadores chegaram ao Brasil com os novíssimos P-47, juntamente com um C-47 Dakota que carregava alguns pilotos feridos em recuperação. Dois dias depois, o USS General Meigs chegou ao Brasil com o restante do efetivo da FAB e da FEB, levando ao desfile da vitória no Rio de Janeiro.
Referências
LAVENÈRE-WANDERLEY, Nelson Freire. Os balões de observação na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, 2017.Disponível em: https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_os_baloes.pdf
LIMA, Rui Moreira. Senta a Púa! Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.
LIMA, Rui Moreira. Hit’em Hard! Action Editora, 2019.
VAZQUEZ, VICENTE. O 1º Grupo de Aviação de Caça da FAB na Campanha da Itália (1944-1945). Disponível em: https://jambock.com.br/v7/. Acesso em: 6 abr. 2025.
VAZQUEZ, VICENTE. A origem do grito de guerra ‘Senta a Púa’. Jambock, [S.l.], [2025]. Disponível em: https://jambock.com.br/v7/index.php/mn-hist/mn-hist-orig/mn-hist-orig-grit. Acesso em: 21 abr. 2025.