Virgínia Maria de Niemeyer Portocarrero

25363 – VIRGÍNIA MARIA DE NIEMEYER PORTOCARRERO

FILIAÇÃO
Tito Portocarrero e Dinah de Niemeyer Portocarrero.

ANTES DA GUERRA
Nascida no Rio de Janeiro, DF em 23 de outubro de 1917.
Cursou o então primário no Colégio Maria Imaculada, mantido por irmãs concepcionistas espanholas, onde aprendeu piano e trabalhos manuais, como era uma típica educação feminina na época.
Formou-se bacharel em Ciências e Letras pelo Colégio Pedro II, tradicional instituição de ensino público federal, situado no centro do Rio de Janeiro. Após formar-se no Pedro II em 1936, concluiu o Curso de Prática de Laboratório, indo trabalhar no Hospital São Sebastião, ligado à Secretaria de Saúde e Assistência do Departamento de Higiene, na Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal.
Realizou o Curso de Aperfeiçoamento e Arte Decorativa na Escola Politécnica Nacional de Engenharia, adquirindo formação de decoradora, professora de desenho e desenhista. Seu talento, notadamente para desenho, em particular “bico de pena”, ficou registrado em seu “Diário de Guerra”.
Em função das constantes mudanças decorrentes da profissão do pai (militar), iniciou o Curso de Enfermagem Samaritana na Cruz Vermelha de Belém (PA), mas veio a concluí-lo no Rio de Janeiro.
Obteve o Certificado de Habilitação para o cargo de Escriturária da Prefeitura do Distrito Federal, na Secretaria de Educação e Cultura, no Departamento de Saúde Escolar. No mesmo ano, recebeu o Certificado de Aprovação do Concurso Básico do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários no Ministério do Trabalho.
Aplicando os conhecimentos de Desenho obtidos na formação, trabalhava no Instituto Nacional do Mate, como desenhista, quando se voluntariou para ingressar do Quadro de Enfermeiras da Reserva do Exército (QERE), no intuito de participar da Segunda Guerra Mundial.
Em 2 Jul 1944, concluiu o Curso de Emergência de Enfermeiras da Reserva do Exército (CEERE), que incluía a capacitação física na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro.
Antes de embarcar para a Itália, firmou com seu pai o compromisso de escrever cartas para registar a memória de sua trajetória na II Guerra Mundial. Para evitar a censura imposta às correspondências enviadas pelo Serviço de Correios da FEB, remetia escritos cotidianos como folhas de seu diário. Estas seguiam para o Brasil com os feridos na guerra evacuados para o HCE. Segundo Virgínia, “quando algum ferido baixado na enfermaria era evacuado para o Hospital Central do Exército – o HCE – no Brasil, eu entregava as páginas a ele, e informava ao papai, por carta, para procurar fulano de tal no hospital, e papai ia lá buscar”. A “transgressão” de filha e pai legou para as gerações futuras relevantes memórias da guerra. O Diário de Guerra em questão está depositado no acervo da Casa de Oswaldo Cruz, na FIOCRUZ.
Em 7 Jul 1944 embarcou para a Base Aérea de Parnamirim, de onde, junto a outras quatro enfermeiras, iniciou a travessia do Oceano Atlântico, entre Natal, RN, e Dakar, no Senegal, por via aérea, roteiro seguido por todas a 67 enfermeiras que integraram a FEB.
Em 15 Jul 1944, após pousar e pernoitar em campos de aviação na África, chegou a Nápoles.
Por fim, cabe ressaltar que a família Niemeyer Portocarrero rumou para a II Guerra Mundial com quatro representantes. Virgínia e três primos-irmãos, a quem ela afetuosamente chamava de “irmãos-primos”. Uma família brasileira com quatro jovens zarpando para atuar em uma guerra mundial, correndo perigo iminente e real de vida, gerou um fato de significativa repercussão, registrado em imagens, que podem ser acessadas no link mencionado em “Referências”, inframencionado.

DURANTE A GUERRA
Serviu nos seguintes hospitais: 182º Hospital Geral de Estacionamento (Station General Hospital), em Nápoles; no 105º Hospital de Estacionamento, em Tarquinia; no 64º Hospital Geral, em Ardenza; no 38º Hospital de Evacuação (Evacuation Hospital), em Cecina, Pisa e Florença; no 24º Hospital Geral, em Marzaboto e Parola; no 16º Hospital de Evacuação, em Pistoia; e no 15º Hospital de Evacuação, em Corvela, sempre em enfermarias de cirurgia e salas de operações. Nessas transferências e mudanças de sede, muitas vezes acompanhado a sua Unidade de Saúde, por seus chefes diretos e comandantes, como pode ser visto a seguir:

  • Em 11 Ago 1944, o Boletim Interno (BI) nº 9 da F.E.B. – Escalão Avançado da 1ª D.I.E publicou o seguinte: “Considerando a situação em que se encontram as enfermeiras brasileiras, sob o ponto de vista hierárquico em relação às americanas, no âmbito em que servem, resolve arvorar no posto de 2º Tenente, sem vantagens pecuniárias de posto, a enfermeira de 3ª Classe VIRGINIA MARIA DE NIEMEYER PORTOCARRERO, atualmente, servindo nos hospitais Americanos, a qual passará a usar a insígnia do posto”.
  • Em 11 Set 1944, foi publicada a seguinte referência elogiosa, enviada com o ofício de 28 Ago 1944, do Cel. Lawrence, comandante do 105º Hospital de Evacuação: “A seguinte enfermeira, sob vossa chefia, estava adida a este Hospital, de 3 a 22 de 1944: VIRGINIA MARIA DE NIEMEYER PORTOCARRERO. Durante esse tempo essa enfermeira tratou de doentes americanos e brasileiros, e, não obstante, as dificuldades da língua desempenhou excelentemente as suas funções. A enfermeira 2º Tenente VIRGINIA MARIA DE NIEMEYER PORTOCARRERO trabalhou na enfermaria de cirurgia. Deve ser destacada a maneira por que aprendeu a rotina do hospital americano, e sentimos prazer em expressar, nesta oportunidade a nossa apreciação pelos seus trabalhos aqui. Dorothy Parsons, Cap. A.N.C. Princ. Chief. Nurse. Sinto-me feliz em acrescentar a minha satisfação ao elogio acima. G.P. Lawrence Cel. Medical-Corps Comanding”.
  • Em 9 Nov 1944, no BI nº 35, foi publicado que, por ocasião da inundação do 38º Hospital de Evacuação (Pisa), em 2 do mesmo mês, assim se expressou o major médico Dr. Ernestino Gomes de Oliveira: “E como exemplo digno de ser seguido como padrão para todos os que se sacrificam pela causa da liberdade e serviço do Brasil, tenho muita satisfação de elogiar e louvar a enfermeira VIRGINIA MARIA NIEMEYER, PORTOCARRERO, que destacou-se pela capacidade de trabalho, dedicação e carinho com que atende aos seus pacientes durante a madrugada de calamidade, bem assim no dia consecutivo, tendo sempre uma palavra de conforto para os doentes mais graves; encarnando bem o papel da enfermeira brasileira, a sua ação foi de grande eficiência, não só na parte profissional como na parte administrativa, recolhendo logo no início da catástrofe, juntamente com outra colega, toda a documentação e medicação necessárias aos pacientes, tornando-se assim fácil a missão de seu chefe”.
  • Em 27 Nov 1944, pelo BI nº 43, foi publicado o seguinte louvor, consignado comandante do 38º Hospital de Evacuação, coronel G. T. Wood Jr.: “Realizou excelente trabalho, manifestou dedicado interesse no bem-estar dos pacientes, cooperou com os membros desta unidade no mais alto grau e demonstrou o mais elevado padrão de disciplina militar. Lamento que tenha sofrido incômodos e perda de seus haveres por causa da recente inundação”.
  • Em 29 Nov 1944, o BI nº 44 publicou o seguinte louvor do major Ernestino Gomes de Oliveira: “Tenente Enfermeira VIRGINIA MARIA DE NIEMEYER PORTOCARRERO, profissional de fina educação, com profunda noção do cumprimento do dever, sempre carinhosa e dedicada aos doentes e feridos, digna de estima e consideração de seus superiores e subordinados, vem sendo um elemento de destaque, neste Grupo”. Em 30 de dezembro, o mesmo major assim se expressou: “Enfermeira VIRGINIA MARIA DE NIEMEYER PORTOCARRERO, cooperadora abnegada, personificando a dedicação e o amor da mulher brasileira, que sem medir sacrifício, procura minorar os sofrimentos dos feridos e doentes; pelo trabalho intenso e dedicado, merece, não apenas o meu louvor, mas a minha genuflexão pelo bem que tem espargido entre os valorosos soldados do Brasil”.

Do fragmento do seu diário, datado de 21 Fev 1945, é possível compreender a crueldade dos combates em Monte Castelo e o incansável trabalho das equipes de Saúde: “Enfermaria cheia. Quanta mutilação! Quanta miséria. Na sala de operações o aspecto é terrível. Pedaços humanos recolhidos em carrinhos de mão e enterrados em enormes crateras nos fundos do hospital. Que coisa terrível é a guerra. As equipes médicas se desdobram em operações sucessivas. Os sargentos enfermeiros e nós, enfermeiras, trabalhando em horários cansativos e extenuantes. Estou escrevendo estas notas depois da noite horrorosa que passei. Larguei o serviço às 7h e já são 22h, e o sono não vem. As mutilações me tiraram o sono… as chegadas foram em massa. Como sofri! São homens que nunca vi. Entretanto, sofro por eles… Que competência mostraram os cirurgiões brasileiros e americanos misturados na sala de operações salvando vidas!
Em 23 Maio 1945, foi excluída do estado efetivo desta unidade por ter de seguir para o Brasil, devendo recolher-se ao 7º Hospital de Evacuação. Na mesma data, ao ser excluída do estado efetivo dessa unidade, o major médico chefe da S.B.H., Dr. Ary Duarte Nunes, assim se expressou: “Enfermeira Portocarrero, trabalhou com muita dedicação e carinho em exaustivos plantões noturnos, demonstrando sempre dedicação e desvelo para com os seus pacientes. Voluntária, impôs-se pelos conhecimentos adquiridos e magníficos serviços de mostrando sempre espírito de sacrifício e boa vontade. Representou dignamente a mulher brasileira neste Teatro de Operações. Louvo-a e agradeço todos os serviços prestados não só nesta Secção como ao Brasil”.
As referências elogiosas de chefes e comandantes militares são justos reconhecimento pela dedicação e empenho que destacam o profissionalismo e a personalidade do subordinado na ótica do consignante; contudo existem manifestações de cunho pessoal, desinteressadas, que se tornam referencial histórico, com significado especial.
O sargento Inácio Loyola de Freitas Virgolino, após passar mais de 6 meses internado em uma enfermaria alemã em recuperação dos ferimentos sofridos em um confronto com soldados alemães na localidade de Precaria, em 24 Jan 1945, em carta dirigida à tenente Virgínia, assim se expressou:
“Pistoia – Itália. Enfermaria 3 de Cirurgia
Tenente, de quando em vez me vem na cabeça o tempo em que eu fui prisioneiro dos alemães.
A senhora fez bem em dar igual tratamento a esses homens que são na guerra os nossos inimigos. Esse artigo que saiu hoje no jornal do hospital, tirando a ração de cigarros dos brasileiros me fez pensar profundamente, e quando eu vejo a senhora distribuir a sua ração porque a senhora não fuma e por isso mesmo perdê-la, é uma coisa muito bonita.
Quando a senhora colocou aquela caixa de papelão lá no fundo da enfermaria e escreveu ‘Caixa da Enfermaria’ e alto falou conosco, lendo a notícia publicada, como calou fundo no meu íntimo.
A senhora disse: ‘Vocês não deem os seus cigarros para os alemães, pois a notícia anuncia que o brasileiro que isto fizer vai perder o seu direito de racionamento do cigarro. Eu não fumo; então coloquem os cigarros que vocês quiserem dar aos alemães nela porque eu assumo.’ Que bonito ver este gesto de coragem partir de uma mocinha tão nova e tão firme. A senhora é enfermeira de verdade; está escrito no seu coração a profissão que a senhora nasceu. Foi Deus que lhe fez enfermeira.
Eu fui prisioneiro dos alemães e estive também hospitalizado; as enfermeiras alemãs me trataram muito bem e os médicos também. É verdade que não havia no hospital tanto recurso como neste aqui. Porém, calor humano e tratamento eu tive.
Tenente, quando a comida era pouca eu me lembro, só havia batata para comermos, pois todos sem diferença de raça recebiam uma batata. Eu aprendi a apreciar a maneira dos alemães. A senhora continue dando este tratamento igual em sua enfermaria.
Eu, como brasileiro, me orgulho da senhora, anjo de caridade do meu Brasil.
Eu apreciei o tratamento que recebi dos alemães e me orgulho da maneira piedosa e eficiente que a senhora nos trata; e obrigado por ter vindo para a guerra, cumprindo a sua missão com tanta eficiência e dando a nós brasileiros a garantia de estarmos sendo atendidos com toda competência e não distinguindo ninguém, tratando a todos com todo o cuidado que, embora eu ainda estando muito machucado, mutilado até, eu me sinto seguro tendo a senhora como enfermeira.
Obrigado Tenente Virgínia, desculpe a letra; estou escrevendo há dias esta carta com a mão esquerda, pois a direita está gessada. Estou então muito bem atendido, que escrevo com sacrifício…, agradecimento.
Deus abençoe suas mãos e sua maneira de ser.
Tenente Virgínia. Deus a guarde, a guarde e conserve a sua bondade”.
Obs: A carta original está no acervo da Casa de Oswaldo Cruz – Departamento de Arquivo e Documentação – FIOCRUZ.
Foi licenciada pela Portaria no 8.411, publicada no Diário Oficial da União de 23 Jun 1945.

APÓS A GUERRA
Retornou ao cargo que ocupava no Instituto Nacional do Mate.
Em seguida, trabalhou como laboratorista e escriturária no Departamento de Saúde Escolar do Distrito Federal.
Em 1957, as enfermeiras “febianas” foram incorporadas ao Exército Brasileiro.
Voltou ao serviço ativo do Exército como 2º tenente e passou a atuar como enfermeira na Policlínica Central do Exército, no Rio de Janeiro.
Passou para a reserva em 25 de setembro de 1962, como 1º tenente, e foi promovida a capitão em 1963.
Em 30 Ago 2006, foi homenageada com voto de louvor e reconhecimento na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Em 2 Dez 2017, foi agraciada com a Medalha Serviço de Saúde da FEB, outorgada pela Associação Nacional dos Veteranos da FEB, por meio das Seções Regionais de Jaraguá do Sul, Itajaí e Florianópolis, em reconhecimento às qualidades e virtudes e aos inestimáveis serviços de amparo prestados a humanidade.
Em 24 Set 2019, foi aprovada a concessão do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A cerimônia de entrega ocorreu em 4 Mar 2020.
Foi fundadora da Associação Nacional dos Veteranos da FEB no Rio de Janeiro, onde foi secretária, na gestão do coronel Paulo Ramos.
Faleceu na cidade de Araruama (RJ) em 29 Mar 2023.

MEDALHAS E CONDECORAÇÕES

  • Medalha Cinquentenário do Término da II Guerra Mundial (ANVFEB)
  • Medalha Comemorativa da Inauguração do Monumento Nacional aos Mortos de Segunda Guerra Mundial
  • Medalha de Bons Serviços da Cruz Vermelha Brasileira
  • Medalha de Campanha
  • Medalha de Guerra
  • Medalha de Reconhecimento pelos Serviços Prestados aos Soldados poloneses (25º Aniversário do Fim da SGM)
  • Medalha do Pacificador
  • Medalha Marechal Mascarenhas de Moraes (ANVFEB)
  • Medalha Sangue do Brasil
  • Medalha Tributo à FEB

FONTES
– BERNARDES, Margarida Maria Rocha – O grupamento feminino de enfermagem do Exército na Força Expedicionária Brasileira durante a 2ª Guerra Mundial: uma abordagem sob o olhar fotográfico 1942-1945. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – UERJ, Rio de Janeiro, 2003

– FRÖHLICH, Sirio Sebastião – Vozes da Guerra, Rio de Janeiro: Bibliex, 2015.
– VALADARES, Altamira Pereira – Álbum Fotográfico das Febianas, Batatais,SP: Centro de Documentação Histórica do Brasil.
– Informações de Renate Portocarrero.
– https://basearch.coc.fiocruz.br/index.php/virginia-portocarrero

CRÉDITOS
Museu Virtual da FEB / Fröhlich, S.F.