Esquadrilha de Ligação e Observação

“Não é sopa a gente voar solitário sobre o inimigo, correndo o risco de ser atingido por sua artilharia. Fiz apenas uma missão e olhe lá!”

Tenente Alberto Martins Torres, após fazer uma missão experimental com a 1ª ELO

A 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação Aérea foi uma unidade aérea da FAB que atuou na Itália, apoiando as unidades de artilharia divisionária da Força Expedicionária Brasileira. Utilizando aviões Piper L4H, sobrevoaram posições inimigas e procuravam por alvos, além de cooperar na correção dos disparos de artilharia aliada contra as posições alemãs.

 

Afinal, o que é Observação Aérea, a missão da 1ª ELO?

A observação aérea militar é um tipo de missão exercida pelo nosso país por um tempo muito maior do que muitos pensam. Ainda no tempo do Brasil imperial, durante a Guerra do Paraguai, o Exército brasileiro se utilizou de balões para observar as posições inimigas para determinar movimentação hostil e melhor planejar as ofensivas em solo.

Na rica obra “Os Balões de Observação na Guerra do Paraguai”, de autoria do brigadeiro Nelson Freire Lavenère-Wanderley, são expostos mais detalhes acerca do seu uso. Dois grandes fatores requisitaram o uso dos balões no Paraguai: a geografia local e o desconhecimento do terreno.

Constituído por amplas planícies com acidentes geográficos raros e relativamente baixos, o terreno paraguaio dificultava a detecção de ataques inimigos. Por essa razão eram construídas estruturas de madeira, de até 15 metros, chamadas de mangrulhos, para se observar as tropas hostis. Boa parte do terreno paraguaio também ainda não havia sido mapeado, então à medida que as tropas brasileiras progrediam, tinham que também fazer os mapas da região, portanto o avanço era lento e demorado.

Quando o Marquês de Caxias iniciou uma modernização do Exército Imperial, balões tripulados de origem norte-americana foram trazidos para auxiliar nos esforços de observação militar.

Capa do Livro brigadeiro Lavenère-Wanderley.
Fonte: INCAER
 

Esses balões, de origem norte-americana, eram feitos de algodão e recebiam várias camadas de verniz, para evitar que o ar saísse pelos poros do tecido. Eles eram amarrados ao solo por três grandes e pesadas cordas para manter a estabilidade. Eram preenchidos com hidrogênio, produzido por uma reação química feita no próprio campo de operações. Dependendo das condições meteorológicas, o balão podia subir a mais de 300 metros de altura. Os balões menores podiam levar dois tripulantes, enquanto os maiores podiam levar até 8 pessoas.

O uso desses balões no Paraguai representou um pioneirismo brasileiro, sendo o primeiro país da América Latina a usar meios aéreos em combate. As informações adquiridas nesses balões foram essenciais para determinar a direção e quantidade de tropas paraguaias estacionadas em diversas regiões, o que foi vital para determinar em quais direções deveriam ser atacados.

O Brasil seguiu usando balões de observação, incluindo durante a Primeira Guerra Mundial. Com o advento de aeronaves de asa fixa, cada vez mais forças militares do mundo inteiro começaram a empregar esses veículos para a observação militar. No Brasil não foi diferente.

A Criação da 1ª ELO

Na década de 40, a aviação brasileira passou por um período de intensas mudanças. Com a criação do Ministério da Aeronáutica e da Força Aérea Brasileira em 1941, a aviação militar da Marinha e do Exército foi reunida sob um único comando. Militares destas duas forças foram incluídos na FAB, onde então tiveram que iniciar todo um processo de construção e organização, quebrando as barreiras das diferenças históricas e doutrinárias entre as duas forças centenárias.

Ao mesmo tempo em que as relações diplomáticas entre o Brasil e as forças europeias do Eixo começaram a ficar turbulentas, o nosso país começou a se aproximar dos Estados Unidos. Da mesma forma, nosso país foi introduzido no programa Lend Lease, de venda de material militar americano para nações estrangeiras, e começamos a autorizar a operação de aeronaves americanas a partir do nordeste do Brasil. Não demorou muito para que os ataques contra a navegação mercante brasileira fossem intensificados por parte de submarinos alemães e italianos.

A população, revoltada pelos ataques contra os navios brasileiros, que levaram à morte de dezenas de civis inocentes, logo impulsionou o governo brasileiro a finalmente declarar guerra à Alemanha e à Itália , em agosto de 1942. Um ano depois foi estabelecida a criação de uma força militar nacional que iria combater na Itália, a Força Expedicionária Brasileira.

Parte dessa força era constituída de quatro grupos de artilharia, que seriam treinados para operar com novos obuses de origem americana de 105 e 155 mm.

Além de mudanças gerais na metodologia de emprego e combate, os grupos de artilharia agora deveriam contar também com aeronaves de observação. Essas aeronaves deveriam realizar a regulagem de tiro de artilharia, que consistia em localizar o alvo em uma carta quadriculada e passar as coordenadas, por rádio, para a câmara ou para a central de tiro das baterias, onde os obuses recebiam as informações de disparo.

Esse grupamento, constituído por pessoal da FAB mas que levaria também observadores militares do Exército Brasileiro e de outras forças aliadas, foi chamado de 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação, a 1ª ELO, criada oficialmente em criada em 20 de julho de 1944.

Um dado interessante é que todo o efetivo da 1ª ELO embarcou para a Itália junto com o 3° Escalão do efetivo da FEB, em 22 de setembro de 1944. Ou seja, em menos de 3 meses, a Esquadrilha teve que se estruturar e treinar para a sua nova missão. No Brasil, ainda não estavam disponíveis os equipamentos que seriam utilizados na Itália, então os militares da ELO utilizaram aeronaves PT-19 para o seu preparo. Essas aeronaves de treinamento, que foram compradas dos Estados Unidos em 1942, não eram ideais para essa missão, já que contavam, entre outras características, com uma asa baixa, que obstruía a visão do solo dos observadores em voo.

Comparação PT-19 / Paulistinha (Piper L4).
Fonte: Aeroclube de Pirassununga
 
 
Comparação PT-19 / Paulistinha (Piper L4).
Fonte: Aeroclube de Pirassununga
 
 

O comando desta destemida esquadrilha ficou à cargo do major aviador João Afonso Fabrício Belloc. No total, o efetivo da 1ª ELO contava com 11 aviadores, um intendente, oito sargentos mecânicos de avião, dois sargentos mecânicos de rádio, oito soldados auxiliares de manutenção e dez aeronaves.

A Máquina de Guerra

A 1ª ELO chegou na Itália em 6 de outubro de 1944, em Nápoles. Logo em seguida seus membros foram transferidos para Livorno, via marítima. Foi próximo dali em San Justo, em Pisa, que a unidade recebeu as suas “máquinas de guerra”: Os Piper L4H “Grasshopper”. Diferente do que estamos habituados a ver nas histórias de combate da Segunda Guerra, essas aeronaves não contavam com poderosos motores ou armamentos pesados capazes de destruir quarteirões inteiros. Os Piper L4H eram versões militares do Piper J3, uma aeronave civil reconhecida pela simplicidade e por ser considerada “acessível” na época.

Desenho esquemático de um Piper L4H.
Fonte: Wikimedia Commons – Referência externa
 

Seu apelido de “Grasshopper”, ou gafanhoto em português, se originou pela facilidade da aeronave de decolar e pousar em pistas curtas ou mal-preparadas, como um inseto. Os brasileiros deram um apelido carinhoso de “Teco-Teco” para suas aeronaves.

O Piper L4 tinha uma estrutura de madeira e metal, coberta por lona. Seu trem de pouso era fixo, seus freios eram hidráulicos e não tinha flaps. Seu motor era um Continental 0-170-3 de três cilindros que gerava 65 cavalos de potência. Não era muito, mas para uma estrutura tão leve e dois passageiros, dava conta do recado. O espaço interno era dividido entre o piloto, da FAB, e um observador, que poderia ser militar brasileiro ou estrangeiro.

O Combate

Já no dia 5 de novembro de 1944, o efetivo da 1ª ELO começou os voos de adaptação ao Grasshopper no campo de San Rossore, que era um antigo hipódromo que foi convertido em uma pista de pouso improvisada. No mesmo dia foi também feita uma cerimônia de batismo das aeronaves que seriam empregadas pelo grupo.

Cerimônia de Batismo.
Fonte: Arquivo Nacional
 
Cerimônia de Batismo.
Fonte: Arquivo Nacional
 

A 1ª ELO realizou sua primeira missão de guerra oficial no dia 12 de novembro de 1944, decolando de San Giorgio, com o 1° tenente João Torres Leite Soares pilotando e com o 1° tenente Oswaldo do Mescolin como observador.

As missões eram obviamente sempre feitas em duplas piloto e observador, e inicialmente alguns dos pilotos eram praças. Para alguns isso poderia ser um pesadelo, já que um o piloto é o comandante da aeronave e dita as ordens durante o voo, mas logo ao seu lado estava uma figura de patente mais alta, que poderia ser de outra força ou até mesmo de outro país.

Mas diferente do que se pensa, esse não foi o caso na 1ª ELO.

Segundo os relatos do brigadeiro Rui Moreira Lima, na sua obra “Senta a Pua!”:

Nada aconteceu. As equipagens no avião tinham um único objetivo: cumprir bem a missão. De parte a parte houve grandeza… E eles voaram juntos nessa situação até o dia em que o Ministro Salgado Filho visitou a 1ª ELO na frente de combate. Belloc e Gutierrez pediram ao ministro que premiasse aqueles rapazes, promovendo-os a aspirantes aviadores.

Foram promovidos no mesmo dia. O grande ministro os atendeu, demonstrando mais uma vez o bom senso e a natural liderança que exerceu enquanto comandou a FAB.

Em cerimônia simples declarou, perante a tropa, que os sargentos pilotos da 1ª ELO, a partir daquele momento, estavam promovidos a aspirantes a oficiais aviadores e, pessoalmente, substituiu em cada um a divisa de sargento pela estrela de aspirante.

As missões que a ELO desempenhou eram de extrema periculosidade. Primeiro pelo fato do L4 ser uma aeronave sem blindagem ou proteção para a tripulação. Pelas suas dimensões, era difícil um inimigo conseguir acertá-la. Entretanto, um tiro na região onde estavam os ocupantes poderia ser fatal.

Os alemães e italianos em solo sabiam da finalidade das pequenas aeronaves Aliadas que sobrevoavam o campo de batalha. As forças do Eixo da mesma forma usaram aviões como o Fieseler Fi 156 Storch, que realizava o reconhecimento e observação para a artilharia.

Nas memórias do brigadeiro Rui Moreira Lima, ele também menciona que uma missão do 1ª ELO tinha em média 1h e 55min de duração. Graças ao apoio do pesquisador Fernando Mauro Fonseca Chagas, referência nos estudos de história da FAB, é possível confirmar esses dados. O professor Mauro disponibilizou o registro de voos do 1ª ELO, em que estão anotados os tripulantes, data, horas de voo, horários de decolagem e pouso, número de aterrissagens e outros dados de cada missão feita. Gradativamente, com o passar do tempo em combate, as missões foram se alongando, com algumas sendo de mais de 3 horas de duração, reconhecendo áreas hostis em combate.

Página do Registro de voo da Esquadrilha.
Fonte: Professor Fernando Mauro
 

A 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação atuou nas principais operações da FEB durante a guerra, enviando informações para a artilharia e procurando alvos. Em Monte Castelo, Belvedere, Della Torracia, Montese, Monte Buffone, Montello, La Serra, sul de Collecchio, lá estavam os “Teco-Teco” de olho em tudo que ocorria no solo.

Quando o Esquadrão chegou em solo italiano, seu efetivo começou a usar como símbolo um gafanhoto, que era a marca que as equipes americanas que voavam o Piper L4 utilizavam. O capitão Belloc, entretanto, decidiu que não deveriam usar emblemas de outras forças, solicitando ao capitão Fortunato Câmara de Oliveira , aviador no 1° Grupo de caça, que desenhasse um novo emblema para o ELO. Um detalhe: foi também o capitão Fortunato que desenhou o lendário emblema do Senta a Pua.

E desta forma foi feito o novo símbolo do ELO. Nele, um oficial cavalgando um canhão alado, carregando um binóculo, olha para baixo. Ao fundo, um céu azul com poucas nuvens.
O oficial representava o piloto; o binóculo, o observador. O canhão representava a artilharia, que tanto apoiaram, enquanto as asas homenageavam a FAB. As nuvens brancas indicavam a busca da paz e o azul a imensidão do céu.

Um lema que a jovem equipe do ELO bradava constantemente era “Olho Nele”, que também está presente na parte de baixo do emblema.

Bolacha da 1a ELO.
Fonte: História da FAB – Referência externa

O famoso correspondente de guerra Rubem Braga foi convidado a participar de uma missão com a 1ª ELO. Após um voo de reconhecimento, ele escreveu um artigo que foi publicado no Diário Carioca, que concluiu da seguinte maneira:

“Obscuro e quase esquecido do noticiário dos rádios e dos jornais do mundo, longe dos feitos sensacionais e das proezas dramáticas, o pobre Teco-Teco, na sua vida modesta e rotineira, é, ele também, um instrumento de morte do nazista, uma preciosa máquina trabalhando todo dia na construção da vitória.”

Acaba a Guerra

A guerra na Europa terminou em maio de 1945, e enquanto ainda estavam na Itália, esperando para retornar, a esquadrilha foi extinta no dia 14 de junho. Todo seu efetivo foi então transferido como adidos ao 1° Grupo de Aviação de Caça.

Bibliografia
Senta a pua! Editora Biblioteca do Exército, 1980.
“Olho Nele- Esquadrilhas de Ligação e Observação”, INCAER
“Os Balões de Observação na Guerra do Paraguai”, brigadeiro Nelson Freire Lavenère-Wanderley