O chamado para a guerra

Quando o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália, o licenciamento dos soldados que estavam prestando o serviço militar foi suspenso. Além disso, militares que haviam sido licenciados em anos anteriores (reservistas) e jovens que ainda não haviam prestado o serviço militar foram convocados, como parte dos esforços que visavam à mobilização para a guerra.

Nos depoimentos a seguir, transcritos do livro “Vozes da Guerra”, de Sirio S. Fröhlich, estão retratados modos diferentes de enfrentar a situação que levava aflição aos febianos. Entretanto, a incerteza do que os esperava não foi suficiente para deixarem de atender ao chamado da Pátria. Contudo, nem sempre era assim: muitos jovens não atenderam à convocação; outros tantos, após se apresentarem, deram um jeito para não terem de ir à guerra.

Viagem do 1º Escalão da FEB.
Fonte: Arquivo Nacional. Fundo Agência Nacional.
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“As notícias sobre a guerra divulgadas pela propaganda nazista impunham medo; mesmo assim, o sentimento de cumprir o dever cívico foi mais forte, e muitos atenderam ao chamado da Pátria”, disse o veterano Taltíbio de Mello Custódio, que era cabo quando da convocação para a guerra.

Samuel Silva explica que a convocação para o Exército, na década de 1940, não era feita como atualmente, quando a convocação ocorre por classes, representadas pelo ano de nascimento, e selecionam-se os que prestarão o serviço militar: Segundo ele, era feito um sorteio após os 19 anos. Como era muito difícil alguém conseguir emprego sem estar com serviço militar quitado, vários dos pracinhas incorporavam ao Exército, voluntariamente, aos 18 anos, a fim de obterem o Certificado de Reservista.

Ângelo França viveu essa situação. Pelo seu planejamento, ele serviria por dois anos e daria baixa aos vinte anos. “Mas aí foi tudo diferente! O Brasil entrou na guerra e eu tive que ficar por lá. O licenciamento foi sendo adiado de seis em seis meses”. França encarou as prorrogações com naturalidade, mas, sobre ir para a guerra, é taxativo: “Não se vai voluntariamente para a guerra. Isso é coisa de filme americano… A gente vai quando é escalado; eu estava servindo numa unidade que foi escolhida para ir à guerra. Nesse caso, é uma questão de honra; ninguém pode fugir”.

Dentre os militares que estavam na ativa, o cabo Aribides Rodrigues Pereira havia incorporado no 5º Regimento de Artilharia Montada, em Santa Maria, RS, em 1942. Ele recorda como o comandante do Regimento deu a notícia à tropa: “O Brasil está em guerra; não se surpreendam quando chamarem gente. É bom que estejam preparados”. Certo dia, o comandante da sua Bateria reuniu o efetivo e disse que havia chegado a hora de mandar gente para o Rio de Janeiro, onde o Exército estava se preparando para a guerra. Queria voluntários. Aribides diz que foi o primeiro integrante da Bateria a se apresentar.

Severino Francisco de Oliveira, 2º Sargento no 16º Regimento de Infantaria, em Natal-RN, recorda que a cidade passava a noite em blecaute (escurecimento total) e que as forças aéreas brasileira e americana sobrevoavam a cidade. No quintal das casas havia um abrigo para a defesa antiaérea. A comida era racionada; havia poucas estradas e ela era levada pelos navios; muitos navios haviam sido torpedeados, diminuindo a oferta de comida. “Cerca de trezentos homens do 16º RI haviam sido designados para ir à guerra. O Severino não estava entre eles. Faltando apenas três dias para a partida, outro sargento adoeceu… O capitão Fernando mandou me chamar e disse: ‘Severino, o sargento fulano (nome mencionado, mas preservado) adoeceu e não pode embarcar. Você pode ir no lugar dele?’. Como o Severino não sabia dizer a palavra não… embarquei em três dias, e nunca mais vi o tal sargento”.

Vasco Duarte Ferreira apresentou-se aos 18 anos, em abril de 1942, após ler no jornal que o Exército abrira voluntariado; incorporou no 1º Batalhão de Guardas, no Rio de Janeiro. Cerca de três meses depois, foi transferido para o 13º RI, de Ponta Grossa-PR. Em 1943, foi transferido para o 3º Batalhão de Carros de Combate (BCC), cujo aquartelamento ocupava as instalações do Derby Clube, local em que foi construído o Estádio do Maracanã. Antes de o 3º Batalhão de Carros de Combate ser movimentado para Santa Maria, RS, Vasco foi transferido para o 1º RI, OM designada para a guerra, onde foi incorporado ao efetivo do Pelotão de Reconhecimento e Informações.

Ary Roberto de Abreu era militar quando foi convocado para a guerra. Apresentara-se com pouco mais de dezessete anos, em Belo Horizonte. Voluntário, havia sido incorporado em Ouro Preto, em março de 1942, no 10º Batalhão de Caçadores (BC), que, em maio de 1943, foi deslocado para Porto Seguro, BA. Depois de muitas andanças, acabou embarcando para a Itália no 4º escalão.

Cleir de Carvalho havia incorporado no 1º Batalhão de Engenheiros, no Rio de Janeiro. “Fui voluntário para ir para o Exército; mais tarde veio a guerra e fui convocado. Precisavam de cem praças e de alguns oficiais para completarem o contingente. Eu era cabo e fui um dos escolhidos”, recorda.

Hélio Marques Gomes era reservista; aos 23 anos cursava Odontologia. Recorda que recebeu um telegrama da 1ª Região Militar, convocando-o para compor o efetivo da FEB. “Na ocasião, minha família conhecia pessoas influentes, que até poderiam me tirar desta convocação, mas eu era o mais novo filho e tinha uma grande preocupação em preservar meus outros irmãos, alguns já casados e com família constituída”, diz.

Jarbas Dias Ferreira foi chamado em dezembro de 1942, por meio de carta de convocação. “Meus pais não gostaram muito porque fomos convocados eu e meu irmão. Isso não era comum, tanto que eles escolhiam quem iria. Eu pedi para ir porque o meu irmão estudava Teologia. Quem sabe eu seria o escolhido que qualquer jeito, mas eu me adiantei”.

Geraldo Antônio Sanfelice havia servido no 7º RI, em Santa Maria, nos anos de 1940 e 1941. Portanto, era reservista quando foi convocado. Recorda que recebeu a carta de convocação para integrar a FEB das mãos de um cabo que viria a ser seu cunhado depois da guerra. Esse disse: “Tu vais ter de ir a Santa Maria, te apresentar no quartel; foste convocado para a guerra”. Recorda que recebeu a notícia com naturalidade, sentimento compartilhado pelos seus pais. Afinal, era tempo de guerra e todos sabiam que, a qualquer momento, isso poderia acontecer.

Ewaldo Meyer havia terminado a instrução em Tiro de Guerra (TG) justamente naquele período, aos 18 anos, quando foi convocado. “Recebi em casa uma carta de convocação. Foi uma surpresa e um desespero, principalmente dos meus pais. A mãe ficou chorosa; como qualquer mãe, sentia pelo filho. Ir para a guerra… A gente já sabia que quem fosse para a guerra dificilmente voltaria. Esse era o pensamento geral de quem era convocado para a guerra, mas, quis o destino que acontecesse tudo o que aconteceu e eu voltei”.

O mineiro de Ibirité, Geraldo Campos Taitson era reservista quando foi convocado. Recebeu a notícia por meio da Rádio Inconfidência, em um programa de notícias às dez da noite, no qual mencionaram o nome dos convocados, dizendo que a publicação sairia no Diário Oficial do dia seguinte; os mencionados deveriam se apresentar no corpo de tropa mais próximo da residência. Filho de uma tradicional e numerosa família mineira, Taitson tinha sete irmãos, sendo que três deles eram padres e duas eram freiras. Ao tomar conhecimento da convocação, sua mãe foi procurada por vizinhos e amigos que a aconselharam procurar um influente político da região para que, com a sua influência, retirasse o nome do filho da lista dos recém convocados para a guerra, ao que reagiu dizendo: “Já doei cinco filhos para a Igreja, é justo que doe pelo menos um para a Pátria”. Assim sendo, Taitson apresentou-se no 10º RI (atual 12ºRI) e seguiu para a Itália integrando a 3ª Cia. Do 1º Batalhão do 11ºRI.

Osvaldo Carnevalli, que também era reservista, diz: “Quem levou a intimação foi uma pessoa que trabalhava na prefeitura; eu deveria comparecer ao quartel do 6º RI, em Caçapava”.
Francisco Arthur Gomes, foi convocado em 15 de outubro de 1942. “A coincidência é que dei a notícia da convocação exatamente no dia do aniversário da minha mãe. A prefeitura se encarregou de distribuir os pedidos para que a gente se apresentasse. Fui à prefeitura e recebi a notificação. Disse à minha mãe: ‘Eu lamento muito por ter que lhe dar essa notícia justamente no seu aniversário, mas fui convocado para me apresentar no Exército’”.

Israel Rosenthal havia realizado a instrução militar em Tiro de Guerra e, em 1943, concluído o curso de Odontologia. Como sabia que seria convocado para a guerra, apresentou-se, para frequentar o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Rio de Janeiro, onde concluiu o Curso de Infantaria, em 1944. Embarcou para a Itália no 5º escalão. Descendente de judeus, diz que somente ao término da guerra soube do tratamento desumano a que eram submetidos os judeus na Europa.

Paulo Pereira de Carvalho havia servido no TG de Mogi das Cruzes. Estava desempregado quando da convocação. “Dei graças a Deus por ter sido convocado para o Exército. Ninguém dizia que foi convocado para a guerra; dizia que foi convocado para o Exército. A maior parte da população não acreditava que a gente iria para a guerra; pensava que fosse para um treinamento ou para defender o Brasil em caso de invasão”.

Dentre os que não haviam prestado o serviço militar, Pedro Solano Vidal estava prestes a completar 22 anos quando foi convocado para a FEB. Ele recorda que “o pessoal do Exército foi buscar os 18 convocados do município [de São Sepé, RS] com um caminhão. Seguimos para Santa Maria, onde iniciaríamos a preparação no 7º RI”. Para ele, tudo era novidade. Diz que não aceitou de bom grado a ideia de ir para a guerra. Foi contrariado, mas, enfim, tinha de cumprir o seu dever. “Tu queres ir para a guerra?”, perguntavam. Ninguém, em sã consciência, diria com convicção ‘sim, eu quero’! Saía um ‘é… quero’, meio sem graça. Também não adiantava dizer que não, pois iria de qualquer modo. Então, era bom não se destacar negativamente”.