Abad de Freitas Coutinho
5657 – ABAD DE FREITAS COUTINHO
FILIAÇÃO
Carmelinda Freitas e José Júlio Coutinho.
ANTES DA GUERRA
Nasceu no dia 25 de novembro de 1923, em Porto Velho, no Território Federal de Guaporé, atual Estado de Rondônia, onde seu pai exercia a função de Juiz de Direito.
Em 1927, o pai mudou-se para a cidade de Bonfim, MG, onde assumiu outra função na magistratura. Um dos motivos para a mudança foi melhorar as condições de ensino aos filhos, que passaram a residir em Belo Horizonte.
Segundo relatos do pai, na infância e na adolescência, Abad teria sido bastante hiperativo, e fugia de casa quando levava alguma reprimenda mais severa de sua mãe. Aos 11 anos de idade, foi mandado para a cidade de Vila Velha, ES, para ser matriculado no prestigiado Gymnásio Espírito-Santense. Contudo, era necessária uma prova de admissão. Assim, Abad realizou um curso preparatório na escola Vasco Coutinho, durante um ano. No final de 1934, efetuou os exames de admissão necessários, obtendo aprovação.
No ano de 1935, Abad iniciou os estudos, como aluno interno, no Gymnásio Espírito-Santense. Mesmo sendo um colégio particular, o estabelecimento de ensino tinha estrutura e funcionamento muito semelhantes aos que eram adotados nos colégios militares do Exército Brasileiro, com emprego de disciplina militar e utilização de uniformes.
Ao passar as férias relativas ao ano letivo de 1935 na casa de seus pais, em Belo Horizonte, Abad filiou-se, como sócio e atleta de natação, ao glorioso América Futebol Clube, tendo sido matriculado sob o número 2.137, admitido no dia 28 Jan 1938.
Decidido a não retornar ao Ginásio Espírito-Santense, Abad incorporou, no final de 1938, na Forca Pública de Minas Gerais (atual Polícia Militar de Minas Gerais). A idade mínima, na época, era 16 anos, desde que com a autorização dos pais. Na corporação, Abad teria exercido funções administrativas, tendo aprendido a datilografar.
Desiludido com o trabalho na Forca Pública, Abad deixou a corporação no ano seguinte, voltando para o Espírito Santo, no intuito de se alistar no Exército Brasileiro. No dia 1º Nov de 1939, aos 16 anos, Abad foi incorporado como voluntário no 3º Batalhão de Caçadores (BC), localizado na cidade de Vila Velha, ES.
No 3º BC, realizou o Curso de Formação de Cabos e o Curso de Formação de Motoristas. Serviu inicialmente na 2ª Companhia de Fuzileiros, mas no ano seguinte foi transferido para a Fiscalização Administrativa do quartel, desempenhando a função de auxiliar e datilógrafo.
Em que pese seu interesse em prosseguir na carreira militar, a unidade não possuía vaga para que ele engajasse como soldado do efetivo profissional. No dia 29 Nov 1941, foi licenciado do 3º BC e do Exército por conclusão do tempo de serviço militar, sendo considerado Soldado Reservista de 1ª Categoria.
Abad retornou para Belo Horizonte, indo trabalhar no comércio. Ao participar de processo seletivo para emprego na Eletro-Química Brasileira S.A., em Ouro Preto, a experiencia de Abad nos setores administrativos da Forca Pública e do Exército, aliada a uma carta de recomendação que trazia do seu ex-chefe, foram importantes para que fosse contratado para trabalhar no escritório da empresa, em Ouro Preto, para onde se mudou em meados de 1942.
Após declarar guerra aos países do Eixo, Getúlio Vargas estabeleceu a mobilização geral do país, estipulando que os reservistas das Forças Armadas e os brasileiros natos e naturalizados eram obrigados e deveriam se apresentar, após convocação, para prestarem o “exercício do dever cívico da defesa nacional”.
Sem esperar a convocação, Abad pediu demissão e apresentou-se no 10º Regimento de Infantaria (RI), em Belo Horizonte, em 30 Jan 1943, para ser reincorporado ao serviço ativo como soldado de Infantaria.
Com base na experiencia anterior, foi inicialmente direcionado para trabalhar na Secretaria da unidade, mas, por necessidade de completar diversos claros existentes no Regimento, em 13 de março, foi matriculado no curso de telemetrista, após ser aprovado em processo seletivo interno. Em julho daquele ano, foi aprovado no referido curso, tendo passado a exercer essa função na Companhia de Metralhadoras do 3° Batalhão do Regimento.
Já tendo realizado o Curso de Formação de Cabos no 3º BC, em Vila Velha, foi selecionado para promoção, o que se concretizou no dia 10 Jan 1944. Em 14 de fevereiro, foi transferido para o 11º RI, de São João Del Rei, MG, onde foi incorporado como Cabo Telemetrista na Companhia de Petrechos Pesados do 2º Batalhão (CPP/2).
No dia 6 de marco, Abad e todo efetivo de sua unidade seguiram de trem para a Vila Militar, na cidade do Rio de Janeiro, ocupando instalações provisórias no Morro do Capistrano. A unidade passou a realizar seu adestramento avançado segundo os padrões do Exército dos Estados Unidos da América, a fim de ser incorporar à FEB, que estava em fase de organização.
Em 19 de julho, Abad foi selecionado para integrar o Pelotão de Reconhecimento e Informações da Companhia de Comando Regimental (CCR), como cabo desenhista topógrafo. Essa era uma subunidade de elite que estava sendo preparada, e constituía uma novidade no âmbito da doutrina militar brasileira. E essa designação definiria o destino de Abad na guerra: ele combateria nas situações mais arriscadas, sempre realizando patrulhas de reconhecimento, sempre à frente das linhas mais avançadas das tropas brasileiras, realizando patrulhas de longo alcance que teriam como objetivo principal o de identificar a localização das unidades inimigas e realizar a captura de prisioneiros de guerra para o levantamento de informações. Abad teria de situar perfeitamente os alvos inimigos despostos no terreno nas cartas topográficas e transmitir, com perfeição, as coordenadas dos referidos alvos para o estado-maior do RI. A partir dessa época, sua unidade passou a realizar os adestramentos avançados, sempre sob forte sigilo, na região do Recreio dos Bandeirantes, nas proximidades da cidade do Rio de Janeiro; naquela época, uma região totalmente desabitada.
Ainda sem saber para onde a tropa brasileira seria enviada, o 11º RI passou a realizar diversos exercícios de deslocamento em trens para o porto do Rio de Janeiro e embarque em navios brasileiros e americanos, sempre durante as madrugadas. Após embarcados, retornavam ao acantonamento no Morro do Capistrano. O objetivo do treinamento visava ao embarque rápido e sem problemas, mantendo indefinida a data do embarque definitivo da tropa para a guerra.
Em 22 Set 1944, um novo exercício de embarque foi realizado, desta vez no navio AP-116 “General Meigs” da Marinha dos Estados Unidos da América. Dessa vez, houve uma visita inesperada para acompanhar o embarque: o próprio Presidente Getúlio Vargas. Este foi último embarque do 2º escalão da tropa da FEB, que compunha o chamado “Grupamento General Falconiere”. O navio desatracou no dia seguinte, seguindo para a Europa, fato que Abad ficou sabendo somente quando o navio já estava em alto mar.
DURANTE A GUERRA
A chegada ao destino ocorreu em 6 Out 1944, mas os militares permaneceram a bordo. Em 10 de outubro, ocorreu o transbordo para um comboio de embarcações LCI (Landing Craft Infantry), da Marinha dos EUA, após o que iniciaram o deslocamento para o Porto de Livorno, sob mau tempo, o que causou muitos enjoos.
Chegando ao destino em 11 de outubro, a tropa pernoitou a bordo desconfortáveis LCI, que apresentavam terrível cheiro de vômito, após o deslocamento no mar revolto. Após o desembarque, em 12 de outubro, a tropa realizou um deslocamento em caminhões para a “Staging Area” localizada na cidade de Pisa (Vila Rossore), tendo ali acampado. Neste momento foi dissolvido o “Grupamento General Falconiere” e toda tropa foi incorporada ao então denominado “Grupamento General Cordeiro”. A partir desse dia Abad passou a integrar o 5º Exército Norte-Americano. O Grupamento General Cordeiro passou a ser completamente reequipado: material bélico, viaturas, equipamentos de comunicações, fardamento, enfim, tudo novo.
A alimentação também passou a ser oferecida no padrão norte-americano, no estilo bacon com ovos, rações enlatadas, confeitos e biscoitos. Esses alimentos norte-americanos, particularmente representados pela chamada Ração tipo C, haviam sido apresentados aos expedicionários na fatídica viagem a bordo das LCI, onde os enjoos criaram uma associação entre a comida e o mal-estar. Segundo Abad, um dos fatores que contribuíram para a rejeição inicial à alimentação naorte-americana estava justamente no preparo, pois nossos cozinheiros não haviam sido adestrados na preparação de refeições com tantos itens desconhecidos. Contudo, ao longo dos dias, alguns cursos foram realizados pelo pessoal de rancho e o preparo foi sendo paulatinamente melhorado.
O treinamento de combate avançado, sob a orientação direta de instrutores norte-americanos, foi feito ainda na região de Pisa. Neste período, o Cabo Abad foi designado para frequentar o curso de desativação de minas terrestres alemãs, conhecimento que seria essencial durante a realização das patrulhas de reconhecimento.
No dia 3 de novembro, essa fase de treinamentos foi concluída e o Grupamento General Cordeiro foi extinto. Nesta mesma data o 11º RI passou a integrar a Infantaria Divisionária 1 (ID/1) da Força Expedicionária Brasileira (FEB), comandada pelo Gen Zenóbio.
Seguindo ordens superiores, no dia 22 de novembro, o 11º RI se deslocou para a região de Filettole, onde Abad, integrante do Pelotão de Reconhecimento e Informações, realizou as primeiras ações de patrulha na chamada “terra de ninguém” – área entre as linhas de frentes dos exércitos em oposição. O Comandante do Pelotão era o Tenente Danton Pescadinha, do qual Abad sempre falava com grande respeito, admiração e carinho, e com quem manteve amizade mesmo após o fim da guerra. Como era cabo, Abad comandava uma Esquadra – grupo integrado por ele e mais três soldados.
Na região de Filettole, Abad passou a ter contato com um elemento fundamental para suas ações de patrulha: os “Partisanos”, que eram tropas de guerrilha italianas, integradas por adversários do Fascismo, e atuavam juntos às tropas brasileiras, especialmente as que atuavam em missões de reconhecimento e informações. A cooperação dos partisanos era essencial para mostrar a localização de tropas inimigas, dos campos de minas e dos caminhos a serem seguidos, assim como para a identificando do nome de localidades, de cursos d’água e das posições no terreno, os quais Abad e seus comandados conferiam in loco; como topógrafo, ele atualizava as cartas topográficas aliadas e, sendo algo importante ou urgente, informava por rádio as coordenadas para seus superiores.
Segundo Abad, a cor do uniforme verde-oliva brasileiro era diferente do caqui utilizado pelos americanos, mas muito semelhante à tonalidade utilizada no uniforme alemão. Conforme dizia, a segurança das patrulhas que chefiava, contra um eventual “fogo amigo” dos partisanos ou mesmo das tropas norte-americanas, estava justamente na pele morena de seus soldados. E – como ele costumava dizer – quanto mais morena, mais seguros eles estariam!
No dia 1º de dezembro sua unidade foi deslocada para a região de Borgo-Capane e Caselina-Bombiana, justamente para apoiar o ataque ao Monte Castelo. Abad relata que os alemães possuíam uma atuante estratégia de “guerra psicológica” que visava a abalar a confiança dos soldados inimigos, e mal os brasileiros se apresentaram na frente de combate, diversos folhetos de propaganda nazista passaram a ser lançados sobre nossas posições. Uma das tarefas da equipe de Abad era recolher este tipo de material e encaminhar ao escalão superior. Para as ainda inexperientes tropas brasileiras, num primeiro momento esse tipo de subterfúgio do inimigo teria trazido forte impacto, com se verificaria logo depois.
Entre os dias 2 e 3 de dezembro, ocorreu o “batismo de fogo”: um ataque noturno inimigo, com pesadíssima barragem de granadas de artilharia, fez muitos soldados inexperientes fugirem de suas posições e saírem em debandada para a retaguarda. Conforme relato de Adad, o Tenente Pescadinha, seu comandante, determinou ao seu Pelotão que contivesse a tentativa de retraimento dos companheiros, usando a força, se necessário. Abad teve papel preponderante na ação de conter o pavor dos soldados que nunca tinham enfrentado o peso de um ataque inimigo de tal envergadura, inclusive o próprio Abad, que, mesmo assim, não se abalara e cumprira seu dever de não recuar. Tendo em vista a tempestiva e corajosa ação de Abad naquela longa noite, o Comandante da Companhia consignou a ele uma elogiosa parte de combate, que fundamentou a concessão da Medalha Cruz de Combate de 2ª Classe.
No prosseguimento das ações de combate, a esquadra de Abad foi designada para identificar a posição das peças de morteiro alemãs que martelavam e faziam muitas baixas na tropa brasileira. Desde o começo de dezembro Abad e seus homens instalaram diversos postos de observação avançados para o 11º RI, ocupando posições nas localidades de Livorne, Serratone, Cotas 920 e 931, Montespecchio, sempre sob pesado bombardeio de artilharia e morteiros inimigos, mas sempre conseguindo cumprir sua missão de transmitir a localização das posições do inimigo para a 2ª Seção do Regimento (Seção de Inteligência).
No dia 15 de dezembro, quando ocupava um posto de observação na localidade de Bombiana, sua posição foi atingida em cheio por uma granada de morteiro alemã, que penetrou seu abrigo quando ele tentava localizar as posições inimigas, fazendo vítimas entre os homens de sua esquadra. O arrebentamento da granada provocou em Abad graves ferimentos na cabeça, com muita perda de sangue; contudo, não o impediram de continuar ao telefone transmitindo ao escalão superior as informações sobre os alemães e, mesmo com a continuidade das explosões das granadas inimigas permaneceu na posição até ser substituído por outra esquadra enviada ao local.
Devido a esse ato de bravura em combate, Abad foi agraciado com a Medalha Cruz de Combate de 1ª Classe e com a Medalha Sangue do Brasil, além de indicado para receber a comenda norte-americana Bronze Star.
Devido aos graves ferimentos sofridos e principalmente pela grande quantidade de sangue perdida, Abad foi evacuado em ambulância para as unidades médicas da retaguarda do 5º Exército. Seu destino final acabou sendo o 7th Station Hospital. O 7º Hospital de Estacionamento era uma grande instalação de saúde, possuindo 750 leitos, e que ocupava um antigo acampamento da Juventude Fascista de Mussolini, localizado na costa marítima, há cerca de seis quilômetros da cidade de Livorno.
Segundo Abad Essa unidade havia começado a operar desde o dia 29 Set 1944. Logo após a sua entrada em funcionamento, foi designado para hospitalizar todo o pessoal de terra brasileiro que estivesse operando na sua área e, naquele violento mês de dezembro, já estava tratando de mais de 700 pacientes brasileiros, empregados na ofensiva contra Monte Castelo. A unidade era integrada por militares de saúde brasileiros, particularmente para contornar as dificuldades de idioma. Eles formavam um total de 76 militares brasileiros, a saber: 15 médicos, 2 dentistas, 3 farmacêuticos, 1 capelão, 23 enfermeiros e 32 técnicos
Na época, a oficial de ligação médica, responsável pelo bem-estar dos pacientes brasileiros era a enfermeira-chefe 1º tenente Olímpia de Araújo Camerino, que foi a responsável pelo seu atendimento no período em que esteve internado. Devido aos ferimentos sofridos, Abad usava uma bandagem cobrindo o rosto, ficando somente com um dos olhos descobertos. A enfermeira era considerada por uma verdadeira mãe pelos pracinhas, trazendo a todos o calor do cuidado materno naquele local tão deprimente. Ela comparecia diariamente para falar com Abad, sempre trazendo uma palavra amiga e auxiliando no relacionamento com os atendentes americanos, com os quais Abad tinha grande dificuldade em se comunicar. Contudo, como não era ela que trocava as bandagens, não conhecia o rosto dele. Um dia, após a guerra, ele a reencontrado no Rio de Janeiro e deu-lhe um abraço, deixando-a cristalizada, por não reconhecê-lo. Somente quando Abad se identificou é que ela lembrou de seu paciente, retribuindo o abraço calorosamente.
Com o passar do tempo, as barreiras linguísticas e as diferenças na prática médica foram superadas, e os brasileiros foram totalmente integrados ao hospital americano. Entre 7 de outubro e 12 de dezembro de 1944, 5 oficiais médicos brasileiros e 6 enfermeiras foram deslocadas para servir no 154º Station Hospital para cuidar de pessoal de unidades da Força Aérea Brasileira estacionadas nas proximidades. Em um livro publicado após a guerra, a Ten Olímpia assim se expressou sobre as suas duras lembranças naquele período: “Como esquecer a guerra, nós que trazemos na alma e no corpo as marcas da sua presença, que jamais se apagarão?” Abad sempre falou aos filhos, mesmo com outras palavras, algo muito parecido sobre sua dura experiencia no conflito mundial.
Tendo recebido como presente de Natal a sua alta hospitalar, Abad retornou para sua unidade e, logo no dia 1º Jan 1945, ele se deslocou para a região de Lastra Rossa, onde ocupou novamente a linha de frente, ali permanecendo numa situação mais calma, devido ao rigoroso inverno. Este pode ter sido o período mais difícil da Abad na linha de frente, pois o “General Inverno” era totalmente desconhecido. Grandes volumes de neve se acumulavam e pesadas neblinas impediam a sua principal atividade, qual seja, a de observar as linhas inimigas. E para piorar, temperaturas negativas passaram a ser uma constante na vida de Abad e seus companheiros.
Segundo Abad, novos uniformes de inverno foram recebidos, e o seu pelotão teve que realizar um treinamento específico com instrutores norte-americanos para a utilização de esquis, trenós (para transportar carga) e raquetes de neve. Segundo ele, devido à grande necessidade de prática, os esquis foram logo abandonados pela tropa, sendo preferido o uso das raquetes. Ainda segundo ele, a conhecida criatividade e adaptabilidade de nossa gente logo entrou em ação: grandes pedras aquecidas na fogueira eram colocadas sob os pés das sentinelas e as pesadas meias de lã americanas (que logo ficavam úmidas dentro das galochas de borracha fornecidas) foram substituídas por tiras de pano que os pracinhas mesmo cortavam (estas eram enroladas nos pés e, periodicamente, trocadas por outras que haviam sido colocadas sobre o fogo para secar, o que ocorria bem mais rápido). Segundo Abad, um grupo de especialistas americanos teria vindo às unidades brasileiras tentar entender o porquê de nossa tropa não ter sofrido com o temível “pé de trincheira”, que afligia a todos no front, mesmo as tropas mais experientes dos EUA.
Em fevereiro de 1945, Abad foi deslocado para a região de Silla, onde ocupou posições defensivas. Nessa posição, intensificou suas patrulhas na “terra de ninguém”, sempre de forma a manter as linhas brasileiras alertas em relação às atividades do inimigo. Neste local, a patrulha de Abad teria sido surpreendida numa noite, quando entrou numa casa abandonada, tendo ido de encontro a soldados alemães que a ocupavam, sendo necessário realizar o combate corpo a corpo com uso de baionetas. Abad tinha uma cicatriz na parte interna do braço, provocada por uma baioneta alemã. Neste dia, segundo ele, não teriam sido feitos prisioneiros de guerra, uma vez que a luta somente teria terminado com o silenciamento de todos os soldados inimigos. Abad não gostava muito de comentar esta passagem, e teria descrito esse evento apenas uma vez, quando perguntado sobre uma insígnia nazista que ele guardava em seus pertences. Segundo ele, ela havia sido retirada de um inimigo naquele dia triste em sua memória.
Com o fim do inverno, a FEB retoma as operações ofensivas. No começo de março de 1945, Abad participou de uma série de patrulhas de reconhecimento na região de Riola, nos preparativos do 11º RI para o ataque que seria realizado em Castelnuovo, n os dias 5 e 6 de março.
Depois do combate de Castelnuovo, o 11º RI foi deslocado para uma região mais tranquila do front, onde a tropa poderia descansar, o que era feito em sistema de um rodízio. O Pelotão de Abad foi deslocado para a região de Carmella, onde ocupou uma posição defensiva. No dia 28 de março Abad teria seu merecido período de descanso, recebendo uma licença de seis dias para se deslocar até o Centro de Recreação do 5º Exército, localizado em Roma. Católico, Abad visitou o Vaticano.
De volta para sua unidade, no dia 14 de abril foi deslocado para o setor norte da linha de frente, e no dia 24 do mesmo mês, Abad participou de uma marcha para o combate na direção da cidade de Vignola, em função do retraimento das linhas inimigas, tendo atingido as localidades de Scandiano, em 26 de abril, e Quatro-Castela, em 27 de abril, nesta permanecendo até o dia 30 do mesmo mês. De lá se deslocou para a cidade de Alessandria. As operações de guerra na Itália estavam chegando ao fim.
No dia 30 de maio, Abad se deslocou em caminhão da cidade de Alessandria para San Rossore onde permaneceu acampado. Posteriormente, deslocar-se-ia para Livorno, onde embarcou no transporte marítimo “Sestricre”, com destino a Nápoles, lá chegando no dia 22 de junho. Neste mesmo dia foi condecorado com o título de Membro Honorário do IV Corpo de Exército.
Iniciando a desmobilização, foi desligado de seu Pelotão, passando à disposição do Comando da Divisão de Infantaria Expedicionária, que estava desdobrada na região da cidade de Francolise. Ali foi designado para chefiar a equipe de reparação da rede de energia elétrica da cidade, tendo ficado adido ao grupamento de segurança de área que passou a ser formado com tropas brasileiras, e trabalhado até o dia 6 Ago 1945, ocasião em que permaneceu à disposição do 5º Batalhão do Depósito de Pessoal da FEB.
No dia 5 de setembro ele embarca no navio General Meigs, que o levaria de volta ao Brasil, onde chegou no dia 17 Set 1945.
APÓS A GUERRA
Assim que a tropa desembarcou no Porto do Rio de Janeiro, foi direcionada para a Avenida Rio Branco, onde foi realizado o grande desfile da Vitória, onde uma multidão os recebeu em delírio.
Dali, todos embarcaram em vagões da Central do Brasil e seguiram para a Vila Militar, onde acamparam. No dia 30 de setembro, os militares convocados para a guerra foram licenciados do serviço ativo e retornaram para a vida civil ali no Rio de Janeiro mesmo. Segundo Abad, ficara um sabor de que tudo terminara muito rápido.
Tendo retornado para Belo Horizonte em outubro de 1945, Abad volta ao convívio de sua família. Durante um bom tempo ele permaneceu utilizando seu uniforme da FEB.
Mas novamente fora do Exército, no começo de 1946, Abad retornou para Ouro Preto, e retomou suas atividades interrompidas pela guerra. Contudo, uma excelente oportunidade de emprego público surgiria em setembro daquele ano, quando Abad foi selecionado para um cargo no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo-lhe sido oferecida uma vaga no escritório da autarquia na cidade de Pouso Alegre, MG.
Com isso, os planos de Abad e June (que conhecera antes da guerra) para um casamento foram acelerados. O noivado foi realizado em novembro, e o casamento foi finalmente realizado no dia 14 Dez 1946.
Abad e June foram casados por quarenta e seis anos. Ao longo desse tempo, residiram em Pouso Alegre, Montes Claros, Aimorés, Rio de Janeiro, Brasília, Pirapora e Belo Horizonte. Abad trabalhou inicialmente no IBGE e depois ingressou na Força Aérea Brasileira, de onde se reformou no ano de 1963, no posto de 1º Tenente.
Depois do casamento, June voltou a trabalhar entre os anos de 1962 e 1963, na função de secretária do presidente da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, em Brasília, DF. Durante boa parte de sua vida, o casal Abad e June residiu em Belo Horizonte, mas nunca perdeu o espírito “bandeirante”, e viajou pelo Brasilo, sempre acampando em barracas ou em trailers.
Tiveram 5 filhos: Júlio Raphael (oficial do Exército, nascido em Montes ClarosMG, em 1948); Guilherme Tadeu (empresário, nascido em Aimorés-MG, em 1950); Abner Augusto (oficial da Marinha Mercante, nascido em Aimorés-MG, em 1952); Francisco José (policial federal, nascido no Rio de Janeiro-RJ, 1957) e Marco Antonio (oficial do Exército, nascido em Pirapora-MG, em 1964). Todos têm em comum o fato de haverem estudado no Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH).
O então 1º Tenente Freitas (seu nome de Guerra na Força Aérea Brasileira) teve participação ativa na Associação Nacional dos Veteranos da FEB, seção Minas Gerais.
Sua esposa June faleceu em 1997, no Rio de Janeiro-RJ. Abad faleceu em Matozinhos, MG. em 2009, tendo sido sepultado com honras militares do 12º Batalhão de Infantaria, no Cemitério Campo da Esperança, em Belo Horizonte, MG.
MEDALHAS E CONDECORAÇÕES
- Diploma de Membro Honorário do IV Corpo de Exército (EUA)
- Medalha Cruz de Combate de 1ª Classe
- Medalha Cruz de Combate de 2ª Classe
- Medalha de Campanha
- Medalha de Sangue do Brasil
FONTES
Adaptado do Livro “Recordações: a história de uma família em movimento”. Volume I, de Marco Antonio de Freitas Coutinho (ISBN 978-65-00-15022-3), com autorização do autor.
CRÉDITOS
Museu Virtual da FEB