Torpedeamento das belonaves da Marinha Mercante Brasileira

O estado de beligerância entre diversos países acabaria por trazer consequências até mesmo para aqueles que se mantinham neutros. Segundo Castelo Branco (1960, p. 53), com a entrada dos Estados Unidos na guerra, uma das consequências foi que “os alemães decidiram estender a campanha submarina, que então incidia sobre as Ilhas Britânicas, às costas do continente americano, a fim de bloquear as relações comerciais dos Estados Unidos com o exterior”, atingindo diretamente o Brasil.

Para isso, os submarinos receberam ordens para se posicionarem paralelos aos principais eixos de comunicações marítimos, que ligavam os Estados Unidos aos seus aliados, de forma a atacarem todo navio que dele saísse ou a ele tivesse destino, e entre eles estavam o U-590, U-510, U-466, U-653, e U-662, identificados ao atuarem no norte do Brasil, durante a blitz nazista.

Foi exatamente no momento em que essa campanha atingiu o seu ápice, com um milhão de toneladas de navios torpedeados e afundados mensalmente, que o Brasil entrou na guerra. Algumas decisões foram então tomadas pelo Governo brasileiro, tais como: a cessão de bases e outras facilidades aos norte-americanos, bem como mandado artilhar, camuflar e escurecer os navios mercantes nacionais, antes de declarado o estado de beligerância. Mesmo com estas medidas, os torpedeamentos sucederam-se numa grande sequência, causando inúmeros danos materiais e humanos ao país.

A primeira vítima dessa campanha foi o navio brasileiro Cabedelo, desaparecido a 14 de fevereiro de 1942, quando se dirigia de Filadélfia (EUA) para o porto de Cabedelo (Brasil), carregando carvão-de-pedra. Sua causa ficou incógnita, porém, ninguém, conscientemente, poderia admitir outra hipótese, senão a do torpedeamento. Seguiram-se ainda o Buarque e o Olinda.

Cabedelo – Navio Mercante Cabedelo.
Fonte: DPHM

 

Diário Carioca – Ano XV – Rio de janeiro.
Fonte: Hemeroteca Biblioteca Nacional – Referência externa

 

Construído nos Estados Unidos em 1919, o Comandante Lyra foi o primeiro navio torpedeado no litoral brasileiro. Em 18 de março de 1942, às 18h50, foi atingido por um torpedo lançado pelo submarino italiano Barbarigo. Após o impacto, o radiotelegrafista José Henrique da Silva, demonstrando bravura, conseguiu enviar um pedido de socorro que foi prontamente atendido. Aviões militares foram enviados e o resgate ocorreu de forma eficiente. Os feridos foram encontrados nas baleeiras e resgatados pelos navios USS Jouett e USS Milwaukee. O Comandante Lyra ainda permanecia à tona e transportava 79.442 sacas de café.

 

A Batalha do Atlântico, maio de 1944 a maio de 1945.
Fonte: iBiblio – Referência externa

 

Em represália a estes ataques, algumas medidas foram tomadas, visando a cobrir os prejuízos materiais. Entre elas, destacava-se o “Decreto-Lei nº 4.166, de 11 de março de 1942, dispondo sobre as indenizações devidas por atos de agressão contra bens do Estado brasileiro e contra a vida e bens de brasileiros ou de estrangeiros residentes no Brasil” (CASTELO BRANCO, 1960, p. 55).

No Art 1º deste Decreto, lia-se:

“Os bens e direitos dos súditos alemães, japoneses e italianos pessoas físicas ou jurídicas, respondem pelo prejuízo que, para os bens e direitos do Estado Brasileiro, e para a vida, os bens e os direitos das pessoas jurídicas ou físicas brasileiras, domiciliadas ou residentes no Brasil, resultaram, ou resultam, de atos de agressão praticados pela Alemanha, pelo Japão ou pela Itália”.

E, no Art 3º, lia-se:

“O produto dos bens em depósito servirá de garantia ao pagamento de indenizações pelos atos de agressão a que se refere o Art. 1º, caso o Governo responsável não as satisfaça cabalmente”.

Porém, apesar destas atitudes tomadas, os alemães prosseguiram na campanha. A série dos novos torpedeamentos foi sucedendo-se, quase asfixiando, completamente, as comunicações marítimas. O inimigo obedecia a uma estratégia bem definida.

Tais acontecimentos repercutiram por todo o mundo, tendo o Brasil “recebido manifestações de solidariedade de vários países amigos, inclusive da Polônia, China, Grécia, Noruega e Iugoslávia” (CASTELO BRANCO, 1960, p. 59).

Do Presidente dos Estados Unidos, foi recebida a seguinte mensagem:

“Esse ato desprezível e bárbaro, em completo desrespeito a toda conduta: civilizada e cavalheiresca, é completamente inútil em sua desesperada tentativa para coagir e intimidar o povo livre do Brasil, neste momento de grave ameaça ao respeito, integridade e destino dessa grande nação”.

Compreendendo a extensão dos delitos que acabavam de ser praticados, realçados pelas manifestações populares, resolveu, afinal, o Governo aceitar o desafio. Pela Nota Ministerial, de 21 de Agosto de 1942, dirigiu-se aos dois agressores – Alemanha e Itália – nos seguintes termos:

“Senhor Ministro: A orientação pacifista da política internacional do Brasil manteve-o, até agora, afastado do conflito em que se debatem quase todas as nações, inclusive deste hemisfério” [..] “Não há como negar que a Alemanha (Itália) praticou contra o Brasil atos de guerra, criando uma situação de beligerância que somos forçados a reconhecer em defesa de nossa dignidade, da nossa soberania e da nossa segurança e da América”.

No dia seguinte, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), transmitia a seguinte Nota à nação:

“O Sr. Presidente da República reuniu hoje o Ministério, tendo comparecido todos os Ministros. Diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras – Alemanha e Itália – […]”

Desta forma, mediante Decreto de 31 de agosto de 1942, nº 10.358, foi declarado o estado de guerra em todo o território nacional, de acordo com os artigos 74, letra k, e 171, todos da Constituição Federal.
Assinaram-no: Getúlio Vargas, Presidente da República, e seus ministros: Alexandre Marcondes Filho (Interior e Justiça), A. de Souza Costa (Fazenda), Eurico Gaspar Dutra (Guerra), Henrique A. Guilhem (Marinha), João de Mendonça Lima (Viação e Obras Públicas), Oswaldo Aranha (Relações Exteriores), Gustavo Capanema (Educação e Saúde) e J. P. Salgado Filho (Aeronáutica).

Seguiram-se os Decretos n.º 10.451 7, de 16 de setembro de 1942, de mobilização geral em todo o território nacional, e o de nº 4.812, de 8 do mês seguinte, dispondo sobre a requisição de bens imóveis e móveis necessários às forças armadas e à defesa passiva da população.

Estava, assim, aberto o caminho para a luta, na qual cobrir-se-iam de glórias a Força Expedicionária Brasileira. A partir de então, os alemães torpedearam mais 13 navios nacionais, totalizando 31 embarcações afundadas durante a guerra.

Deve ser evidenciado, também, apesar de não fazer parte deste estudo, que depois de encerrado o conflito na Europa, restavam ainda os compromissos no Pacífico, onde os Estados Unidos combatiam as Forças japonesas desde 7 de dezembro de 1941.

Já em meados de 1942, o arquipélago nipônico estava bloqueado, e a partir das batalhas navais do Mar de Coral e das Ilhas de Midway, travadas, respectivamente, em maio e junho daquele ano, haviam decidido, praticamente, a sorte desta guerra. Entretanto, a guerra poderia ter sido mais longa, não fosse o emprego de duas bombas atômicas, uma a 6 de agosto de 1945, sobre Hiroshima, e outra a 9 do mesmo mês, sobre Nagasaki, que obrigaram o Imperador do Japão a assinar, a 15 de Agosto do mesmo ano, os termos da rendição incondicional, estabelecidos pelos Aliados.

“O Brasil poderia ainda ter participado desta batalha final em condições, talvez mais difíceis, dadas as características e a distância que o separava daquele TO, não fosse o seu súbito e desconcertante desfecho”, de acordo com Castelo Branco (1960, p. 63).

De qualquer maneira, entretanto, o Brasil cumpriu a palavra, declarando guerra àquele país, revelando que estava disposto a arcar integralmente com as responsabilidades que lhe cabiam, dentro da estratégia geral estabelecida pelos Aliados. Esta suprema resolução constou do Decreto n.o 18.811, de 6 de junho de 1945, que adiante se segue:

“O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o Art. 74, letra m, da Constituição:

– Considerando que os compromissos interamericanos de assistência e defesa mútua que se acham em pleno vigor, ampliados na recente Conferência das Nações no México;

– Considerando que, derrotadas as nações agressoras no continente Europeu, o poderio total dos nossos aliados, os Estados Unidos da América, se transfere agora para o Teatro de Operações no Oceano Pacífico;

– Considerando que os objetivos de paz das Nações Unidas reclamam a participação de todos os Estados deste Continente na luta final pela liberdade dos povos oprimidos;

– Considerando encerrada a nossa participação bélica na Europa com a rendição incondicional dos nossos inimigos;

– Considerando que, desde 28 de janeiro de 1942, foram rompidas relações diplomáticas com o Império do Japão, em conseqüência da agressão aos Estados Unidos da América.

Decreta:

Art. 1º – É declarada a existência do estado de guerra entre Brasil e o Japão.

Art. 2º – O presente decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º – Revogam-se as disposições em contrário.”

Cita-se novamente as palavras do Castelo Branco (1960, p. 64), como conclusão a esta possibilidade de emprego das forças brasileiras no Pacífico, o que não ocorreu:

“Se outras conseqüências não advieram desta sua ousadia, foi por que o destino não quis, pois novo e perigoso caminho se abrira ao sacrifício dos seus filhos. Estaria assim saldado o último compromisso para com os aliados, o qual não foi necessário pelo uso das bombas atômicas e conseqüente rendição do Japão”.

 

Referências

CASTELO BRANCO, Manoel Thomaz. T. O Brasil na II Grande Guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1960.